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Torá Oral

  A IMPORTÂNCIA DA TORÁ ORAL (para quem acha que só a Torá escrita vale): "Um não-judeu se dirigiu ao Sábio Shammaï e lhe perguntou:...

domingo, 5 de setembro de 2010

O Tanya


Parte 1 – Introdução

Quando o Tanya foi mostrado pela primeira vez a Rabi Levi Yitschac de Berditchev, ele expressou sua admiração tanto pelo livro quanto pelo autor: "É um milagre" - disse ele - "que o autor tenha conseguido encerrar um D'us tão poderoso e impressionante num volume tão pequeno!" É por esse motivo que esta obra básica da Chassidut de Chabad tem recebido tanta reverência, sendo chamada de "O Sagrado Tanya" por todos.

Durante quarenta anos Rabi Shneur Zalman de Liadi absorveu os ensinamentos de seus mestres, tanto nos aspectos revelados quanto ocultos da Torá, até que eles se tornaram parte de sua essência. Nos dez anos seguintes, no Shabat antes de Rosh Chôdesh, e nos Dias Festivos, ele ensinou em público aquilo que tinha aprendido de seus professores. Assim o Tanya começou a tomar forma.

Estes ensinamentos foram originalmente registrados de memória por alguns dos discípulos de Rabi Shneur Zalman, e circulavam no formato de panfletos. No entanto, devido aos muitos erros que inevitavelmente apareciam nos manuscritos, e especialmente porque alguns eram alterados por aqueles que se opunham aos caminhos da Chassidut, Rabi Shneur Zalman finalmente decidiu publicar seus ensinamentos no formato impresso. Isso se provaria como sendo um benefício à sua própria geração, bem como das gerações futuras.

A Estrutura do Tanya

O Tanya é conhecido como o Shulchan Aruch da Chassidut Chabad. Correspondendo ao Shulchan Aruch, o Tanya também é dividido em quatro partes: A primeira seção do Tanya, Likutei Amarim, "Coletânea de Ensinamentos", corresponde à primeira parte do Shulchan Aruch, Orach Chaim.

A segunda seção, Sha'ar ha'Yichud ve;ha-Emunah, "O Portal da Unidade e Crença" - corresponde à segunda seção do Shulchan Aruch, Yoreh De'ah.

A terceira seção do Tanya, Iguêret ha'Teshuvá, "Carta de Arrependimento" - é comparada a Even ha-Ezer, e a quarta parte do Tania, Iguêret ha-Kôdesh, "Carta Sagrada", é conhecida como a Choshen Mishpat dos ensinamentos chassídicos.

A orientação para o serviço diário de um judeu ao Todo Poderoso, serviço este permeado por amor e reverência a D'us, é o tema central de Likutei Amarim. Nos cinqüenta e três capítulos que compreendem esta seção do Tanya, Rabi Shneur Zalman sistematiza os conselhos que tinha dado a seus inúmeros discípulos e seguidores no decorrer dos anos. Aqui, revelada ante nossos olhos, está uma maravilhosa tapeçaria de idéias sobre o mundo e sua natureza, sobre o judeu e a composição de sua alma, e sobre o elevado status das mitsvot da Torá e seu relacionamento com o mundo físico.

O conteúdo da seção seguinte do Tanya é sugerido por seu nome, Sha'ar ha'Yichud veha-Emunah, "O Portal da Unidade e Crença". Em seus doze capítulos, aprendemos sobre a crença como é compreendida no pensamento chassídico. Aprendemos sobre o Criador e Seu mundo, e como o Eterno, Bendito seja, cria Suas criaturas, e como Ele continuamente as sustém. Aprendemos como a existência de todos os seres criados é anulada em relação a Ele.

Nos doze capítulos de Iguêret ha'Teshuvá, bem como o aprendizado sobre os princípios fundamentais do arrependimento, que são expressos no abandono do caminho do pecado, aprendemos também sobre como um homem pode retificar os danos que suas ações negativas causaram.

Os trinta e dois capítulos de Iguêret ha'Kôdesh discutem assuntos relacionados ao serviço do homem a D'us por meio do estudo da Torá, prece, caridade e ética. Kuntres Acharon, o "Tratado Definitivo", com o qual se encerra o Tanya, é uma análise penetrante dos conceitos cabalísticos que foram mencionados na primeira seção do Tanya, Likutei Amarim.

A Torá Escrita

Em geral, o Tanya é considerado como a "Lei Escrita" da filosofia chassídica. O motivo para isso não é somente porque cada expressão é absolutamente precisa em seu significado, mas também porque cada palavra, e até mesmo cada letra, foi cuidadosamente pesada e considerada antes de ser escrita. Está registrado que Rabi Shneur Zalman certa vez disse a seu irmão, que o encontrou à escrivaninha, profundamente mergulhado em reflexão: "Esta é a terceira semana consecutiva que estou analisando esta palavra específica, debatendo se coloco ou não um 'e' antes dela!"

O Tanya foi escrito para todo judeu, e é considerado o pão de cada dia para um chassid. O Rebe Anterior, Rabi Yossef Yitschac Schneersohn, que sua alma descanse no Gan Eden, lembrou que certa vez quando seu pai começou a estudar o Tanya com ele, explicou: "O Tanya é como o Chumash, os cinco livros da Torá. Todo judeu, do mais notável até o mais simples - todos eles aprendem Chumash, e cada um tenta entender aquilo que pode. Mas na verdade, ninguém entende por completo, e quanto maior a pessoa, mais sabe o quanto está longe do entendimento."

Rabi Hillel de Paritsh, um dos mais notáveis discípulos do autor, declarou: "Ao ensinar o alfabeto a uma criança de três anos, se a pessoa ensinar a partir do Tanya, com certeza ele não será um ateu. E um devoto total...? Certamente!"

Além de suas profundezas intelectuais, deve-se enfatizar os outros maravilhosos benefícios do Tanya, que se expressam tanto em assuntos espirituais quanto materiais. Quem reza pedindo para ter filhos será abençoado, se estabelecer horários regulares para o estudo do Tanya; ler este livro é benéfico para fortalecer os olhos; aprender o Tanya de cor purifica a atmosfera espiritual do mundo, retifica os pecados da juventude, fortalece a memória e impede que se tenha dúvidas nos assuntos da fé.

A Página Título

O Tanya se inicia com a página título da primeira seção do livro, Likutei Amarim, "Coletânea de Ensinamentos". A página título da obra não é apenas um prelúdio ao seu conteúdo - ela, também, é considerada uma parte integral dos ensinamentos do Tanya. O ilustre neto do autor, o Tzemach Tsedec, explicou longamente a página título, palavra por palavra, a seu filho, Rabi Shmuel, mais conhecido como o Maharash. Por sua vez, quando Rabi Shmuel começou a estudar o Tanya com seu filho, que se tornaria o Rebe Rashab, ele explicou as intenções do autor na página título, a respeito do serviço do homem a D'us.

Quando Rabi Shneur Zalman escreveu a página título, ali encerrou o conteúdo e a essência de todo o livro. Aqui, aprendemos sobre o título da obra, sobre as fontes das quais o material foi coletado, e sobre um princípio fundamental - que a obra é relevante para cada judeu.

É geralmente aceito nas Escrituras que o nome de uma pessoa ou local é indicativo da natureza de sua existência, seu caráter ou sua composição. Se o objeto à nossa frente pode ser visto sob vários ângulos diferentes, adquire diversos nomes. Portanto, Rabi Shneur Zalman chama a primeira parte de sua obra por dois nomes: "Likutei Amarim (Coletânea de Ensinamentos), que é intitulado Sefer shel Benonim."

Coletânea de Conselhos

A primeira parte do título, Likutei Amarim, expressa a natureza prática dessa obra. Da mesma maneira que autoridades publicam responsa - soluções para problemas que surgiram em assuntos relacionados à A Lei Judaica - assim também a primeira parte do Tanya é uma coleção de soluções para problemas no serviço de D'us - conselhos que Rabi Shneur Zalman ofereceu durante muitos anos a milhares de seus discípulos que abriam o coração para ele. Assim, o título escolhido pelo autor retrata com maestria sua intenção - "responder com palavras de verdade àqueles que buscam seu conselho" como declara o verso em Mishlê (22:21). (Veja no comentário de Rashi).

Claramente, esta obra não foi publicada para aumentar a fama do autor, pois ele deu-lhe o título despretensioso de "Coletânea de Ensinamentos", alegando que ele tinha meramente juntado e coletado os ensinamentos de outros. Ao contrário, sua intenção era beneficiar os membros de sua própria geração, e as gerações vindouras.

A segunda parte do título, Sefer shel Benonim, expressa a meta desta obra - ajudar uma pessoa a tornar-se um benoni, a pessoa "intermediária". Segundo o Tanya, uma pessoa é descrita segundo os poderes de sua alma interior, não segundo seu comportamento exterior e suas ações. O nível de um tsadic, alguém perfeitamente justo, é extremamente elevado, e não pode ser exigido de todos. De modo oposto, "o nível de benoni pode ser atingido por qualquer pessoa, e todos deveriam se esforçar para atingi-lo." O Tanya possibilita a cada pessoa tornar-se um benoni, e a orienta rumo a este objetivo. Este é o âmago da expressão freqüentemente usada pelos chassidim: "Oh, ser pelo menos um benoni."

Característico de sua grande humildade, Rabi Shneur Zalman declara que o livro à frente do leitor é "coletado de livros sagrados, e de mestres com inspiração celestial" - como se não houvesse nada de novo em seus ensinamentos, somente aquilo que foi reunido e extraído de outras fontes. O termo, "livros sagrados", refere-se especificamente às obras do Rambam, aos escritos do Maharal de Praga, e ao Shelah - Shenei Luchot ha'Berit - de Rabi Isaiah Hurwitz. Os professores de "inspiração celestial" a que o autor se refere são principalmente o Báal Shem Tov, o Maguid de Mezeritch e Rabi Menachem Mendel de Vitebsk, de quem Rabi Shneur Zalman foi colega e aluno.

"Pois está perto de você"

Rabi Shneur Zalman apoiou toda a obra no versículo "Pois isso está muito perto de você" (Devarim 30:14). O autor nos guia ao longo de uma larga trilha no serviço de D'us, de uma forma que Torá e mitsvot não são difíceis de cumprir, nem distantes da pessoa. Ao contrário, são amadas por ela e próximas do seu coração. Obviamente, nem todas as pessoas são feitas do mesmo molde. No entanto, o Tanya fala para cada um - para a pessoa comum, para aquela cuja conduta passada não era desejável, e também para aquela que já atingiu um nível espiritual elevado.

O autor enfatiza que explicará com clareza "como está muito próximo de você, em um longo e curto caminho." Rabi Shneur Zalman nos mostra dois caminhos no serviço Divino. Um, o "caminho curto", é especificamente para aqueles cuja compreensão no conhecimento de D'us é limitada. Para eles, o autor oferece o despertar do amor natural, latente, que está enterrado no coração de todo judeu. O segundo, "caminho longo", oferece uma trilha para servir a D'us com amor e reverência, que são conseguidas por extenuantes esforços intelectuais e muita meditação sobre a grandeza do abençoado Infinito Criador.

Os Chassidim explicam que ao definir o Tanya como "um caminho curto e longo", a metodologia de Chassidut Chabad cobre uma vasta área de assuntos que, além do conhecimento em si, exigem grande esforço pessoal e serviço árduo. Embora o caminho sugerido por Rabi Shneur Zalman seja longo por si mesmo, mesmo assim é também um caminho curto, pois é o método mais eficaz de entrar no santuário interior.

Parte 2 – Em Troca da Audiência Privada

Yechidut - audiência privada com o Rebe - é de fundamental importância no mundo da Chassidut. O chassid entra na sala do Rebe, entrega-lhe um "balanço", delineando seu status espiritual no momento segundo sua opinião, e pede orientação e bênçãos em seu serviço de D'us. Grandes chassidim se preparavam por meses, até mesmo anos, para este encontro tão desejado. Aquilo que se esperava do chassid era deixado bem claro, e ele se devotaria a seu serviço Divino com todas as forças de sua alma, a fim de colocar em prática os conselhos do Rebe.

Durante muitos anos, Rabi Shneur Zalman recebeu seus chassidim em audiência privada. As perguntas que ele respondia eram múltiplas, e cobriam todo o espectro da vida judaica; cada pessoa era ajudada com seus problemas espirituais e dificuldades no serviço de D'us.

Naturalmente, cada indivíduo exige suas próprias soluções pessoais, e embora os problemas de duas pessoas possam ser idênticos, as soluções devem ser específicas, dirigidas àquele indivíduo em particular. Os conselhos que precisa receber, ajudando-o a superar seus problemas, devem ser particularmente adequados a suas necessidades. Apesar dessa dificuldade, Likutei Amarim é essencialmente uma tentativa de colecionar, por escrito, todos os conselhos que Rabi Shneur Zalman deu a seus chassidim. Fornece soluções a todos os problemas que um judeu possa enfrentar em seu serviço ao Criador.

Assim, em sua introdução à obra, intitulada "Prefácio dos Compiladores", o autor explica que como não é mais possível para ele responder a todos individualmente e em detalhes a seus problemas específicos, e além disso, como o esquecimento é comum, "Registrei portanto todas as respostas a todas as perguntas, para serem preservadas como uma tabuleta, e para servir como um lembrete a todos, para que não mais pressione para uma audiência particular comigo."

As limitações da palavra escrita

Como alguém que compreende intimamente seus chassidim, Rabi Shneur Zalman estava consciente de que eles não aceitariam facilmente um livro em troca de uma audiência privada. De fato, em seu "Prefácio dos Compiladores", o autor explica a que ponto ouvir instruções éticas diretamente numa audiência é superior a vê-las em livros. No entanto, ele enfatiza que há uma distinção, embora sutil, entre instruções éticas e orientação no serviço de D'us. O livro que ele apresenta aos chassidim é diferente de livros sobre instrução moral, pois este é um livro de conselho ou orientação, que podem também ser recebidos na forma escrita.

Rabi Shneur Zalman explica que instrução ética escrita não terá o mesmo efeito sobre a pessoa que ao ouvi-la diretamente de seu professor, embora as palavras sejam idênticas. Pois o poder dos ensinamentos éticos não está apenas na sabedoria e opiniões nele ocultas, mas basicamente no esclarecimento que proporcionam. Uma pessoa que lê um livro absorve o conteúdo segundo sua maneira de servir a D'us, e segundo sua capacidade mental e entendimento. Se sua mente está confusa, ou se vagueia no escuro em seu serviço de D'us, não conseguirá perceber a luz oculta no livro. Isso não ocorre, porém, quando uma pessoa viaja até seu mestre e leva os problemas a ele. O professor, conhecendo a alma do aluno, se esforçará para encontrar o caminho até seu coração, de modo que suas palavras iluminem o discípulo, despertem-no e o influenciem. Assim, de fato, ouvir instrução ética diretamente numa audiência privada é bastante superior a vê-la nos livros.

Orientação e Ética

Rabi Shneur Zalman assim expressa e dá credibilidade ao argumento que poderia ser esperado dos chassidim que ficariam tristes ao trocar uma audiência privada por um livro. No entanto, frisa ele, há uma clara distinção entre instrução moral e orientação no serviço de D'us. O último não tenta provar nada, nem doutrinar nem convencer o leitor. Aqueles que estão interessados em procurar orientação são apresentados à solução adequada para seus problemas, sem qualquer tentativa de convencê-los a aceitá-la. É dever do indivíduo fazer o esforço para colocar o conselho em prática. Portanto , conclui o autor, os conselhos também podem ser dados por escrito.

Esta, então, é a natureza singular do Tanya - um volume que oferece soluções a todos os problemas que tendem a incomodar aqueles que buscam devotar-se ao serviço de D'us. Evidentemente, como aquele que busca ainda não aprendeu todo o Tanya, estando portando inconsciente de toda a gama de problemas e suas soluções, ele pode ter dificuldade em encontrar o local exato no livro que trata de seu problema específico. Portanto, Rabi Shneur Zalman escreve que esta pessoa deveria "discutir seu problema com os eruditos mais destacados de sua cidade, e eles o solucionarão para ele." Apesar disso, em princípio, receber conselhos do Tanya é tão benéfico quanto recebê-los do próprio Rebe.


Parte 3 – Administrando um Juramento à Alma

O autor do Tanya escolheu começar este livro com a declaração de Nossos Sábios que trata da administração de um juramento ao judeu antes de ele nascer: "Aprendemos: Um juramento é administrado a ele [antes de nascer, encarregando-o]: 'Seja justo, não seja perverso; e mesmo que o mundo inteiro lhe diga que você é justo, considere-se perverso.'" Um judeu ganha o privilégio de fazer este juramento antes de sua entrada no mundo exterior. Este vem depois de um rico período de sua vida - nove meses no útero, durante os quais ele aprendeu toda a Torá.

Embora todo este estudo de Torá seja esquecido quando da entrada do recém-nascido no mundo, pois Nossos Sábios declaram que um anjo dá um tapa na boca da criança, fazendo-a esquecer tudo que aprendeu, mesmo assim o juramento que fez permanece, e o acompanha por toda a vida. Assim sendo, devemos entender a natureza desse juramento. Qual é seu objetivo? Que benefícios resultam dele?

Um pacto eterno

A administração de um juramento pode ser comparada a um pacto feito entre dois amigos que se amam muito, e desejam assegurar que sua amizade continuará para sempre. A vida é repleta de altos e baixos, e ninguém pode ter certeza de que as vicissitudes do tempo não trarão circunstâncias que enfraqueçam a amizade que os dois têm um pelo outro, e que logicamente pode até exigir que se corte todo o contato. Assim, para assegurar que isso não acontecerá, os amigos fazem uma aliança, ou pacto. Cada qual jura ao outro que sua amizade jamais faltará. Em virtude desse pacto, sua amizade é elevada do nível de amor forçado pelo intelecto (que depende das circunstâncias, e sobre as quais Nossos Sábios declararam: "Quando mudam as circunstâncias, o amor evapora") a um amor que está além das convicções intelectuais - isso é amor que não pode ser interrompido por coisa alguma.

Uma situação similar aplica-se à alma. Como ela está acima, antes de descer ao corpo, a alma vivencia amor e reverência a D'us. No entanto, existe o temor de que quando a alma descer para tornar-se envolvida no corpo físico, e esteja distanciada de seu estado original, a experiência elevada de amor e reverência irão desaparecer. Além do mais, existe o perigo de que a alma irá sucumbir às sugestões e atrativos da alma animalesca pela qual ela se torna envolvida. Este é o motivo pelo qual um juramento é administrado à alma. Serve como um pacto entre a alma e D'us, desta forma nem mesmo as condições do novo mundo ao qual ela desce não podem impedi-la de aprender Torá e cumprir as mitsvot.

A diferença essencial entre uma resolução comum e a expressão de um juramento pode ser explicada enfatizando-se a importância dos juramentos. Os ensinamentos chassídicos explicam que o homem tem diversos poderes na alma, incluindo poderes que geralmente estão ocultos, mesmo da pessoa na qual eles existem, pois ele simplesmente não sente seu efeito. Em épocas de grande perigo estes poderes da alma podem se tornar revelados. De repente, uma pessoa é capaz de realizar atos que exigem tal força que normalmente seriam considerados além de sua capacidade. Assim, o perigo pode despertar e revelar poderes ocultos. Juramentos funcionam de maneira similar.

Os juramentos geralmente são vistos pelas pessoas sob uma ótica muito séria. Alguém que não tenha o cuidado de dizer sempre a verdade dirá apenas a verdade quando estiver sob juramento, pois em virtude do juramento que fez, poderes ocultos da alma são revelados. Alguém que normalmente se esforça muito para cumprir sua palavra fará de tudo para cumprir um juramento.

É por esses motivos que o homem é ordenado a fazer um juramento - "seja justo", a respeito de todos os mandamentos positivos, e "não seja perverso", quanto à estrita observância de todas as proibições. Devido à gravidade do juramento que fez, elevados poderes interiores da alma serão revelados, e fará todo esforço para superar os obstáculos.

Juramentos satisfazem

Vale a pena enfatizar que a palavra juramento, Shvuá em hebraico, está etimologicamente relacionada à palavra Savá, significando satisfação ou saciedade. A administração do juramento acima mencionado à alma, antes de sua descida ao mundo, sacia a alma, dotando-a de poderes elevados adicionais.

Da mesma maneira que a pessoa se sente de bom humor quando se alimentou bem, e pode realizar seus deveres adequadamente, assim também com a alma. Quando esta está saciada da maneira previamente mencionada, tem os poderes de dominar a má inclinação, o yetser hará, e a forçá-la ao reino da santidade. Isso sugere não apenas "afastar-se do mal e fazer o bem", como também purificar a grosseria do corpo físico, e retificar sua alma animalesca. Ele possui o poder de conseguir sucesso em assuntos de Torá e mitsvot como indivíduo, e de transformar as trevas em luz no mundo em geral.


Parte 4 – Como Louvar-se Corretamente

Ao descrever o juramento "seja justo, e não seja perverso", que é administrado à alma antes que ela venha a este mundo, nossos Sábios fornecem também conselhos sobre como atingir esta meta. A pessoa deve saber como elogiar-se adequadamente. Jamais deve considerar-se perfeita. "Mesmo que o mundo inteiro lhe diga como você é justo, considere-se perverso."

Em geral, toda pessoa deveria estar consciente tanto de suas imperfeições quanto de suas boas qualidades. Embora não seja pecado para alguém que se aperfeiçoou saber que é justo, as conseqüências deste conhecimento podem ser perigosas. Nossos Sábios desaprovam o sentimento que resulta quando alguém escuta o mundo inteiro falar que ele é justo. Não faz diferença se "o mundo inteiro" refere-se a um círculo de amigos, ou se está se referindo ao próprio mundo interior - não tente se convencer que você é justo como resultado de seu sucesso em "afastar-se do mal e fazer o bem". Ao contrário, "considere-se perverso!"

Questões importantes

Declarações de nossos Sábios que sejam difíceis de entender não deveriam simplesmente ser postas de lado como questionáveis. Deve se fazer uma tentativa para entender qual foi a intenção. Assim, Rabi Shneur Zalman escreve que a declaração "considere-se perverso" deve ser entendida. A dificuldade que o autor tem com esta declaração é que ela aparentemente contradiz outra declaração de nossos Sábios, "Não se considere perverso" (Avot 2:13).

Claramente, declarações de nossos Sábios são todas verdadeiras, sendo "palavras do D'us vivo", e não podem contradizer uma à outra. Ao contrário, cada declaração deve aplicar-se a uma situação diferente, e como cada pessoa tem qualidades únicas e problemas individuais, somente uma dessas declarações é relevante para ele. Portanto, é nosso dever combinar o conselho adequado ao problema.

Ao dar conselhos sua eficácia deve ser avaliada, e deveria também ser verificado que nenhuma conseqüência negativa resultará dele. No caso atual, é necessário avaliar que sentimentos e reações serão aquelas de alguém a quem se disse "considere-se perverso", apesar do fato de que ele não é uma pessoa comum, mas sim uma pessoa moralmente correta, uma pessoa de valor, alguém que é cuidadoso em todos os assuntos pertinentes à Torá e mitsvot, e que é considerado justo.

O observador atento notará que tal pessoa pode ter uma de duas possíveis reações: Ficará "triste e deprimida" ou "não se deixará perturbar, de forma alguma" por este auto-elogio. Rabi Shneur Zalman explica que ambas as reações são indesejáveis.

Se uma pessoa leva a sério esta auto-avaliação, e sente que apesar de todos seus esforços ainda é perversa, então "ficará triste e deprimida, e não poderá servir a D'us com júbilo e com o coração contente." Como é bem conhecido, os mestres da Cabalá, e especialmente Rabi Yisrael Báal Shem Tov, fundador do Chassidismo, e seus discípulos, baniram completamente a depressão, pois a consideravam uma emoção profundamente feia. Conta-se que Rabi Aharon de Karlin dizia freqüentemente que embora a depressão em si não seja um pecado, pode jogar a pessoa a tais profundezas mais baixas que qualquer pecado poderia fazê-lo. Além disso, quando uma pessoa está deprimida, não pode cumprir sua obrigação de cumprir mitsvot e estudar Torá com alegria.

Evidentemente, a reação oposta pode às vezes ocorrer - uma pessoa que demonstra falta de interesse e apatia nos resultados de seu auto-elogio. Para que a instrução "considere-se como perverso" não o jogue num estado de depressão, ele toma a firme decisão de não ser afetado por esta auto-avaliação. Deve ser notado que esta atitude também é insatisfatória, pois "se ele não é jamais perturbado, isso pode levá-lo à irreverência, D'us não o permita." Todo judeu requer uma forte barreira separando-o do pecado. Se o fato de ele ser perverso não o incomoda em absoluto, é provável que se torne irreverente, e zombe de todos os valores judaicos. Tudo isso ocorrendo, por que deveriam nossos Sábios apresentar-nos a sugestão acima mencionada, que parece não ter efeito positivo algum sobre a pessoa?

A necessidade de definições claras

Estes problemas que Rabi Shneur Zalman apresenta no início do primeiro capítulo do Tanya agem como uma introdução ao repensamento de toda a estrutura de nossas idéias. Mesmo conceitos tão simples e bem conhecidos como justo e perverso devem ser definidos adequadamente a fim de entendermos suas verdadeiras implicações. Com o conhecimento detalhado dos assuntos que serão discutidos nos próximos capítulos, veremos como são benéficas e exatas as declarações de nossos Sábios

Parte 5 – Definição e Classificação

Antes que possamos entender as lições práticas que derivam das declarações de Nossos Sábios sobre o justo e o perverso, devemos primeiro definir exatamente estes conceitos. É com este objetivo que o autor do Tanya dedica a maior parte do primeiro capítulo, onde recebemos um quadro geral dos diversos níveis de integridade dentro dos quais as pessoas podem ser classificadas.

A partir desta justaposição de várias declarações de Nossos Sábios sobre o justo e o perverso, Rabi Shneur Zalman demonstra que deve ser feita uma distinção clara entre expressões que retratam o verdadeiro estado de alguma coisa e aquelas expressões que são simplesmente as maneiras de falar normalmente aceitas. Em hebraico, há uma clara diferença semântica entre um termo descritivo que expressa a verdadeira natureza de uma coisa e um termo emprestado que faz uso figurativo do termo emprestado de seu uso real. Neste sentido, a palavra "tsadic" é geralmente usada para descrever qualquer pessoa íntegra que cumpre fielmente a Torá. E o termo "benoni" é usado a respeito de recompensa e punição quando referindo-se a uma pessoa cujos atos e falhas estão igualmente balanceadas. No entanto, o significado correto destes termos, "tsadic" e "benoni", é completamente diferente.

Cinco níveis

Segundo a Guemara Berachot há cinco tipos distintos de pessoas: o justo que prospera; o justo que sofre; o perverso que prospera; o perverso que sofre; e o intermediário - o benoni. Vemos ainda na Guemara que a condição material de uma pessoa é um reflexo e uma expressão de seu status espiritual, pois o sucesso do judeu na vida é determinado em grande parte por sua conduta espiritual. Fica claro, portanto, que um justo que prospera e um justo que sofre não possuem a mesma estatura espiritual. O justo que prospera no mundo material é um perfeito tsadic, e o justo que sofre no mundo material é um tsadic imperfeito.

A Ra'aya Mehemna (seções do Zohar atribuídas a Moshê Rabeinu, que é chamado ra'aya mehemna - "o fiel pastor" - ensina que uma pessoa é definida e classificada segundo seu estado interior de alma. Isso implica que as expressões "prospera" e "sofre" também descrevem o nível espiritual de uma pessoa. Ora, o princípio fundamental enfatizado no Tanya é que todo judeu possui duas almas: uma "alma Divina" e também uma "alma animalesca", que deve ser limpa e purificada e elevada à santidade. O perfeito tsadic cujo amor a D'us é absoluto (pois ele atingiu o nível de ahava beta'anugim - "deleite amoroso") conseguiu transformar todos as forças de sua alma animalesca em bem e santidade. É por este motivo que ele é chamado tsadic v'tov lo, literalmente, um tsadic no qual existe [apenas] o bem, significando que nenhum traço do mal está presente nele. Em contraste, um tsadic incompleto, cujo amor a D'us não é absoluto, é chamado tsadic v'ra lo, em quem existe um vestígio do mal, derivando de sua alma animalesca. Ele ainda não completou sua missão, de limpar e purificar a alma animalesca e elevá-la totalmente à santidade. Sim, "o mal que existe nele está subjugado pelo bem", e não tem efeito sobre ele como tem sobre o perverso ou sobre a pessoa intermediária; mesmo assim, de fato, o mal ainda não desapareceu completamente deste tsadic.

As inclinações como juízes

A fim de dar uma idéia mais ampla dos vários níveis de integridade, Rabi Shneur Zalman cita a declaração de Nossos Sábios a respeito do homem e suas inclinações: "Os justos são julgados por seu yetzer tov, sua boa inclinação; os perversos são julgados por seu yetzer hará, sua má inclinação; e os intermediários são julgados por ambos." A razão pela qual o autor cita esta declaração é clara: o funcionamento das inclinações do homem serve como um fator importante no estabelecimento da natureza de uma pessoa.

Vale a pena enfatizar que estas inclinações não coagem e dominam o homem. São como um magistrado ou juiz, que apenas expressa uma opinião e oferece conselhos, sabendo que seus colegas podem contestar sua opinião. O veredicto final será de acordo com as palavras do árbitro. Ao caracterizar as inclinações como juízes, os Sábios do Talmud fornecem um maravilhoso critério para avaliar o status espiritual do homem.

"Os justos são julgados pela sua boa inclinação": O tsadic trabalhou em si mesmo com tanto sucesso que a má inclinação não aparece nem mesmo como conselheira.

"Os perversos são julgados pela sua má inclinação": Além das transgressões que o perverso cometeu, também é aconselhado somente pela sua má inclinação.

"Os intermediários são julgados por ambos": O único a mandar no benoni é a boa inclinação, de modo que, no que tange às suas ações, o intermediário não comete pecados. Embora a má inclinação expresse sua opinião, mesmo assim o benoni a deixa de lado e não permite que ela o domine, nem sequer por um único momento.

Parte 6 – O Benoni

Em geral, as pessoas podem ser classificadas em cinco categorias: o justo que prospera; o justo que sofre; o perverso que prospera; o perverso que sofre; e o intermediário — o benoni.

Neste capítulo, começaremos a examinar a natureza do benoni, embora um completo entendimento de todas suas características esteja além de nosso alcance agora. A primeira tarefa à mão, então, será entender o que o benoni essencialmente não é.

No primeiro capítulo do Tanya, Rabi Shneur Zalman primeiro descarta a possibilidade de o benoni ser alguém cujos atos são "metade virtuosos e metade pecaminosos". Sim, não é apenas o yetser hatov, a boa inclinação, que é ativa dentro dele. O yetser hará, a má inclinação, também é bastante ativa. Mesmo assim, uma distinção deve ser feita entre ser ativo, embora com a maior energia, e o verdadeiro desempenho das transgressões. As ações do benoni estão perfeitamente em ordem — ele jamais vacilará, nem mesmo em assuntos proibidos de menor importância. E de modo correspondente, ele tenta cumprir todas as mitsvot, mesmo aquelas que são difíceis de desempenhar.

Rabah como um Benoni

Na mesma seção da Guemará que discute o funcionamento das duas inclinações, "os justos são julgados pela sua boa inclinação; os perversos são julgados pela sua má inclinação; e os intermediários são julgados por ambas", Rabah apresenta-se como um exemplo de benoni: "Eu, por exemplo, sou um benoni!" Abbaye, no entanto, discorda dele, dizendo: "Mestre, você faz o viver impossível para qualquer criatura…" Se Rabah e aqueles como ele estão apenas na categoria de benoni, então não há homens justos neste mundo. Isso atiraria o mundo inteiro num estado de caos. Além disso, se Rabah, que é considerado por todos como sendo um tsadic, é de fato apenas um benoni, em comparação com ele todos os demais seriam classificados como perversos, e os perversos, mesmo estando vivos, são considerados mortos.

Não se pode tentar resolver este problema declarando que o Rabah estava simplesmente sendo humilde, ou que ele cometeu um erro a respeito de seu status espiritual. Em virtude da humildade, uma pessoa diminuiria apenas parcialmente seu valor, mas não o negaria totalmente. Ninguém declararia, por humildade, que é um animal em vez de um ser humano. Ele também não poderia ter errado neste assunto, pois ninguém erra a ponto de declarar que a areia é prata ou ouro. Um engano somente pode ocorrer quando distinguindo entre duas coisas similares. Assim, se um benoni fosse alguém cujas ações fossem metade virtuosas e metade pecaminosas, Rabah jamais teria errado ao classificar-se como um benoni.

Como é bem conhecido, Rabah se destacou por sua integridade e seu enorme apego à santidade, e está registrado que sua boca jamais cessou de estudar Torá, para que nem mesmo o Anjo da Morte tivesse domínio sobre ele. Portanto, se uma pessoa tão pura errou ao considerar-se um benoni, fica claro que o nível espiritual de um benoni deve ser extremamente elevado, e a idéia de transgressão deve ser completamente excluída.

A natureza do pecado

Rabi Shneur Zalman explica ainda que mesmo uma rápida verificação da natureza do pecado nos levaria à conclusão de que o benoni não pode ser alguém constituído de metade mitsvot e metade transgressões. Após quantas transgressões uma pessoa pode ser classificada de má? Faria bastante sentido dizer que uma pessoa que não obedece a seu Criador mesmo uma só vez é perversa. Enquanto a palavra mitsvá (da palavra tsavta, significando "um nó") expressa a idéia de ligar alguém que cumpre a mitsvá a seu Criador, a palavra para transgressão (averá) implica que o pecador se transfere do domínio do Eterno, Bendito seja, a um domínio diferente.

De fato, mesmo se uma pessoa não está realmente transgredindo no presente, mas está classificada como "aquele que peca" — ou seja, está no rumo do pecado, e quando surge uma oportunidade ele transgride — ele, também, é chamado totalmente perverso. (Isso é comparável a um ladrão, que é chamado de ladrão mesmo quando está dormindo).

Além disso, para merecer o título de "perverso", a pessoa não precisa necessariamente transgredir as proibições mais sérias. Mesmo aquele "que viola uma proibição de menor importância dos Rabis é denominada perversa. E isso se aplica não somente àquele que transgride proibições, mas também àquele que não é suficientemente cuidadoso no cumprimento dos preceitos positivos — este, também, é chamado perverso.

O benoni é portanto uma pessoa livre de pecado.

Ainda não estamos conscientes de todas estas qualidades positivas, mas à luz do acima exposto podemos entender como Rabah poderia ter errado em considerar-se um benoni.

Parte 7 – Todo Judeu tem Duas Almas

Rabi Shneur Zalman de Liadi certa vez contou a seu neto, Menachem Mendel (que se tornou o terceiro Lubavitcher Rebe, mais conhecido como Tsemach Tsêdec), o seguinte: "Quando eu tinha cinco anos, já sabia o significado do versículo: 'E neshamot (almas) que eu fiz.' Eu sabia que em todo judeu, homem ou mulher, residem duas almas, uma das quais é a alma Divina, e a outra a alma animalesca. Sempre me empenhei muito, fazendo grandes esforços, para entender a profundidade de cada conceito, e assim passei muito tempo ponderando a diferença entre estas duas almas. Afinal, ambas são formadas pelo Criador, e a respeito de ambas o versículo declara: 'Eu fiz.'"

A idéia de duas almas é o princípio fundamental do Tanya, e serve como uma chave a todo o mistério do coração humano. Segundo o princípio de que todo judeu tem duas almas, entenderemos a batalha travada entre elas no homem, e seu mau comportamento ocasional. E seremos apresentados ao serviço de itkafiya – subjugação do yetser hará que é exigido do benoni, e de it'hapcha – sublimação, ou transformação do mal em bem, que foi atingida por um tsadic.

Em todo judeu

No primeiro capítulo do Tanya, baseado nos ensinamentos da Cabalá "que cada judeu, seja justo ou perverso, possui duas almas", Rabi Shneur Zalman afirma que estas duas almas são encontradas em todo judeu, independentemente de seu status, sua posição ou sua visão do mundo. Com estas duas almas o judeu nasce, e a existência delas dentro dele é um fato que não depende de sua vontade. Evidentemente, usá-las de uma maneira ou de outra, para o bom ou para o melhor, segundo seu próprio entendimento, é seu livre arbítrio.

Cada uma dessas almas tem um completo conjunto de poderes e qualidades. Entendimento intelectual, atributos emocionais, desejos e ânsias, são expressos por estas almas em maneiras diferentes. Há numerosos detalhes e combinações de qualidades, e para entender corretamente a natureza do homem, estas coisas devem ser entendidas claramente.

Na segunda metade do capítulo Um, Rabi Shneur Zalman nos introduz de maneira geral à alma animalesca, nefesh ha-behamit. Seu motivo para começar esta análise com a nefesh ha'behamit é que esta alma é a primeira a ser revelada no homem, como declara o versículo: "Pois a inclinação do coração do homem é o mal, desde sua juventude." No capítulo Dois, o autor nos familiarizará com a natureza da Alma Divina (que se torna revelada num estágio mais tardio, principalmente depois que a criança chega à idade de bar/bat mitsvá).

Almas e inclinações

É importante enfatizar que até este ponto, estávamos familiarizados com as fontes na Guemará e no Midrash que descrevem as duas inclinações, o yetser hatov e o yetser hará. A idéia de "almas" é algo novo. Superficialmente, almas e inclinações poderiam parecer conceitos paralelos. De fato, um exame mais detalhado mostrará grandes diferenças entre elas. É explicado na Chassidut Chabad que enquanto "alma" envolve os conceitos mais amplos de vida e vitalidade ou força de vida, "inclinação" expressa apenas as tendências ou impulsos na direção do bem e do mal. As emoções que derivam do intelecto da alma animalesca são chamadas de yetser hará, ao passo que as emoções derivadas do intelecto da alma Divina são chamadas de yetser tov.

Rabi Shneur Zalman agora delineia algumas características fundamentais da alma animalesca em todo judeu. Esta alma não está incluída na categoria de santidade, mas ao contrário, origina-se na kelipá (literalmente "invólucro", uma metáfora para aquelas forças que ocultam a força de vida Divina encontrada em toda a criação, como uma casca ou concha que oculta o fruto), e a sitrá achra (literalmente, "o outro lado" – a antítese da santidade e pureza). Esta alma animalesca é revestida pelo sangue de um ser humano, dando vida ao corpo, como atesta o versículo: "Pois a nefesh [i.e., a força de vida] está no sangue." Obviamente, o conceito de nefesh também implica qualidades espirituais da alma, mas para enfatizar sua proximidade específica com a carne e com assuntos físicos, também é chamada "a nefesh, alma, da carne". Desta alma derivam as qualidades humanas naturais, e juntamente com elas, todas as más características com as quais estamos familiarizados. Além disso, "desta alma brota também os bons traços inerentes ao caráter de todo judeu".

Não foi sem motivo que a "alma animalesca" recebeu este nome. Ela se caracteriza pela vontade poderosa e forte paixão que são típicas do reino animal. Apesar disso, estas características não são necessariamente negativas. Embora sejam qualidades naturalmente voltadas para coisas físicas e materiais, o homem tem a capacidade de mudar sua direção, de guiá-las no rumo positivo, e a usá-las para propósitos corretos, como é explicado nos ensinamentos chassídicos. Este é o desafio do homem.



Parte 8 – A Alma Animalesca

Dentro de todo judeu habitam duas almas, uma alma animalesca e uma alma Divina. Ao nos apresentar de maneira geral à alma animalesca, o autor do Tanya apresenta a última como "originando-se da kelipá e sitrá achra", como foi explicado no capítulo anterior.

O Eterno, Bendito seja, criou diferentes categorias em Seu mundo. Existem criaturas que estão incluídas na categoria de santidade, e aquelas incluídas na categoria oposta. A alma animalesca pertence à ultima classe.

Aquelas criaturas que não se originam no lado da santidade são chamadas de "o mundo de kelipot." Esta denominação não tem a intenção de diminuir ou insultar, mas sim expressar exatamente a natureza dessas criaturas. Nesta categoria em si, deve-se assinalar, existem duas divisões: uma compreende aquelas criaturas que derivam sua existência das três kelipot impuras, que são completamente más. A segunda divisão compreende aquelas criaturas que recebem sua força de vida da kelipá chamada "noga", que também possui algum bem. É a partir dessa kelipá que a alma animalesca do judeu recebe sua força vital.

Para ocultar e proteger

Assim como a casca ou a pele impede que se veja o fruto, da mesma forma o Eterno, Bendito seja, criou forças espirituais no mundo que ocultam a Divina força vital encontrada em todas as coisas. Estas forças são as "kelipot", e nessa categoria a alma animalesca também está incluída.

Superficialmente, o conceito de kelipá parece expressar um fenômeno completamente negativo. No entanto, está explicado na Chassidut que os aspectos positivos das kelipot serão revelados quando elas forem tratadas de maneira adequada. Sim, a kelipá cobre e oculta o que está dentro dela – mas não devemos nos esquecer de que esta é a maneira pela qual a casca protege a fruta. Isso é verdadeiro no mundo físico, e também no mundo das kelipot espirituais.

No que diz respeito ao microcosmo, o judeu individual, é possível que sem supervisão especial sua alma animalesca de fato ocultaria o "fruto" dentro dele, sua alma Divina. Deixada sozinha, a alma animalesca levaria a pessoa rumo a assuntos mundanos, e a impediria de aprender Torá e cumprir mitsvot. No entanto, intelectualmente, o homem pode convencer sua alma animalesca a desempenhar um papel subordinado ao "fruto". Ele pode convencê-la a investir todos seus poderes, seus desejos, e sua forte vontade apenas em assuntos de santidade. Então esta kelipá espiritual protegerá o "fruto" – ajudará a alma Divina.

As emoções da alma animalesca

Toda alma possui uma variedade de qualidades que a caracterizam. No primeiro capítulo do Tanya, Rabi Shneur Zalman descreve os traços de caráter da alma animalesca.

O Rambam, em sua obra Yad ha-Chazaká, escreve que cada criatura no universo, físico ou espiritual, é um composto de quatro elementos: Fogo, Água, Ar e Terra. Rabi Shneur Zalman enfatiza que estes quatro elementos na alma animalesca são a origem dos maus traços de caráter que aparecem dentre os judeus, cada traço derivando de seu elemento correspondente que o provoca.

A fúria inflama uma pessoa quando seu coração queima e se rebela, e o orgulho é o estado de considerar-se superior ao próximo. Estes derivam "do elemento do Fogo que tende a subir". Paixão e deleite, ou seja, o apetite para o prazer físico, é retirado do elemento da Água. Frivolidade, zombaria, gabolice e conversa fútil derivam do elemento do Ar. Indolência e melancolia, que se manifestam no peso dos membros, e que produzem apatia e falta de interesse para progredir na vida, emanam do elemento Terra, que exibe características similares (não possui em si nenhuma vida, e é sempre puxada para baixo).

Um aspecto surpreendente deste sistema de pensamento é a declaração de que não apenas os maus traços de caráter são armazenados na alma animalesca, como também as qualidades positivas, tais como compaixão e benevolência. Estas são qualidades encontradas na natureza inata de cada judeu, e estão inerentes nele desde o dia em que nasceu. O motivo para a presença destas qualidades positivas é que a alma animalesca de um judeu deriva da kelipá noga, que não é totalmente má; ao contrário, contém algum bem. Do mal contido na alma animalesca emanam traços negativos de caráter; e do bem da alma animalesca bons traços de caráter, inerentes a cada judeu, são revelados.

Parte 9 – Boas Ações

É uma coisa maravilhosa viver com amigos, dentre os quais reinam a bondade e a gentileza. No entanto, ao examinar a qualidade das ações do homem, não é suficiente inspecionar apenas suas verdadeiras ações, devemos também procurar saber o que se esconde por trás delas. Quais são as motivações da pessoa, qual alma é a força ativa por trás dessas ações?

A alma Divina, ou Neshamá, é encontrada apenas em um judeu – não existe nada similar a ela dentre as nações do mundo em geral. Esta alma é inteiramente Divina e totalmente sagrada. A alma animalesca de um judeu origina-se no kelipá noga que contém algum bem. Esta alma inclui também "os bons traços que são inerentes ao caráter de todo judeu, tais como compaixão e benevolência."

A alma como motivadora

Quando um judeu faz uma boa ação, mesmo que seja motivada por sua alma animalesca, veio do bem da alma animalesca. Origina-se nas boas qualidades que são inerentes à natureza de cada judeu desde o nascimento, como dizem Nossos Sábios: "É a natureza de alguém que é bom beneficiar os outros."

A caridade e bondade de um judeu

Quando um judeu auxilia seu próximo, se ele está motivado por sua alma animalesca, é possível que possa ter alguma intenção egoísta em mente. No entanto, sua principal intenção é beneficiar o outro. A prova disso é, que quando seu amigo não mais precisa de sua assistência, se sentirá feliz.

É um assunto completamente diferente no que tange aos traços da alma Divina onde a motivação se manifesta em absoluta bondade, sem pensar em qualquer benefício. Além disso, é importante enfatizar que boas ações motivadas pela alma animalesca são realizadas somente quando isso não é abertamente difícil para a pessoa. Ele fará caridade somente se tiver algum dinheiro extra consigo.

Porém, quando os atos de bondade se originam na alma Divina, uma pessoa tirará de seu próprio pão para dar ao outro – sendo que o mais importante é fazer algo de bom pelo próximo.

Parte 10 – A Alma Judaica

"Realmente uma parte do D’us acima." Com estas palavras, o Tanya expressa o elevado calibre da alma. O elevado status da alma como "uma parte de D’us", e como originando-se "acima" já fora expressa na literatura cabalista que precedeu o Tanya. Porém Rabi Shneur Zalman não estava satisfeito com a declaração de que "a alma é parte do D’us acima". Adicionando a palavra "realmente" ou "na realidade", o Tanya enfatiza que esta descrição da alma não é exagerada. A alma de um judeu é de fato "verdadeiramente uma parte de D’us", e é exigido de todo judeu saber que a Divindade é sua própria existência!

Sim, quando a alma desce e se torna envolvida pelo corpo físico e na alma animalesca, é descrita apenas como "uma parte de D’us." Apesar disso, como se sabe, os componentes e qualidades de qualquer objeto material são encontrados mesmo na menor parte dele. Rabi Yisrael Báal Shem Tov declarou essa idéia da seguinte maneira: "Quando se entende mesmo uma pequena parte da essência, já se entendeu tudo." Por analogia, todas as vitaminas e materiais que constituem uma fruta são encontrados em todo pedaço dela, mesmo quando este pedaço está separado da fruta. Assim também quanto à alma revestida no corpo – embora seja descrita como somente "uma parte de D’us", sua natureza e sua essência são realmente Divinas, e o Eterno, Bendito seja, realmente reside ali.

A força de vida da alma e de outras criaturas

Na seção do Tanya intitulada "O Portal da Unidade e Fé", o autor explica que o processo de criação é o ato de imbuir força de vida e vitalidade a cada criatura. Qual é, então, a diferença entre a alma e outros seres criados? Que tipo de força vital foi instilado na alma, e que tipo de vitalidade foi conferido a todo o restante da criação?

Poderemos responder às questões acima quando esclarecermos o significado oculto das diferentes expressões descrevendo o processo de criação que aparece na Torá e nos Midrashim.

Quando o Eterno, Bendito seja, formou Adam, o primeiro homem (cuja alma era universal e incluía todas as almas particulares das futuras gerações), declara o versículo: "E Ele soprou em suas narinas uma alma de vida." Todo judeu, ao recitar as bênçãos matinais, diz: "Meu D’us, a alma que Tu puseste dentro de mim é pura… Tu a sopraste dentro de mim." Em contraste, a respeito do restante da criação, o versículo em Bereshit declara: "E D’us disse: Que haja luz", "E D’us disse: Que haja um firmamento", etc.

Esta idéia da criação surgindo por meio da fala é enfatizada ainda mais em Pirkê Avot : "O mundo foi criado com dez pronunciamentos." Assim, podemos concluir que a penetração da força vital na alma está expressa na Torá pelo conceito de "sopro", ao passo que a vitalidade do restante da criação está indicada por palavras que significam fala.

Qual é a diferença essencial entre "soprar" e "falar"? Em geral, ambos são produzidos pela respiração que vem do interior do corpo. No entanto, o esforço despendido ao falar é apenas superficial (e portanto uma pessoa consegue falar por longos períodos sem se cansar), ao passo que o esforço feito para expelir a respiração com força é muito maior. Tendo isso em vista, o Zohar declara: "Aquele que sopra, sopra de seu interior", e como o Tanya, enfatiza: "de seu âmago e de seu ser interior."

Cada um de nós pode certamente achar áreas de sua vida nas quais investe seus poderes interiores, e outras áreas onde investe apenas energia superficial. Qualquer pessoa pode facilmente levantar uma pedra pequena, mas para levantar um rochedo é necessário força e muito esforço. Assim, levantar uma carga pesada revela claramente a extensão da força de uma pessoa.

No contexto da criação, aplica-se a mesma idéia. D’us investiu somente um nível superficial de vitalidade naqueles aspectos da criação que foram criados por meio da fala. No entanto, no que diz respeito à alma, a expressão usada é: "Ele soprou", indicando que o Criador infundiu uma vitalidade interior, originada em "Seu âmago e Seu Ser interior" no homem. Além disso, este processo é direto – "em suas narinas", sem qualquer interrupção, ou um terceiro agindo como intermediário. Esta é a razão, então para a alma ser chamada "uma parte de D’us".

"Acima" e "Na Realidade"

Quando estava com onze anos, Rabi Yossef Yitschac Schneersohn, o Rebe Anterior, ouviu de seu pai a seguinte explicação: "As palavras 'acima' e 'na realidade' [na expressão 'verdadeiramente (ou na realidade) uma parte do D’us acima'] significam idéias contraditórias. A palavra 'acima' expressa o status espiritual extremamente elevado da alma, ao passo que as palavras 'na realidade' [do hebraico mamash, significando mamashut – substância, realidade, algo consistente], expressam a matéria física mais básica. A virtude da alma é – embora ela seja tão elevada e a criação mais espiritual de todas – que ela afeta até mesmo os aspectos mais materiais da criação.

Parte 11 – A Alma e o Poder Divino

O mundo, e tudo que nele existe, foi criado com os "dez pronunciamentos" da Criação. Estes dez atos de criação são chamados "pronunciamentos", pois essa palavra significa uma força externa superficial, comparável à fala humana, que é meramente um poder superficial da pessoa.

A alma de um judeu, no entanto, é "verdadeiramente uma parte do D’us acima". É por este motivo que o Midrash compara a criação da alma à origem do raciocínio, que é um poder elevado e interior, em contraste com a fala: "As almas judaicas se elevam no [Divino] pensamento." Também há diferentes níveis no raciocínio – não há comparação entre pensar sobre alguma coisa de forma geral, e pensar sobre algo que o preocupa diretamente. O último é obviamente muito mais forte e intenso. Assim, as palavras: "As almas judaicas se elevam… no [Divino] pensamento" significam que elas são atraídas a partir do nível mais elevado e mais interior do pensamento do Criador.

É importante assinalar que a diferença entre a alma e o restante da criação não está somente na qualidade da força vital que reside dentro delas, mas também na maneira pela qual a força de vida é absorvida dentro delas, e é sentida por elas. Esta idéia pode ser entendida a partir das diferentes maneiras pelas quais a fala e o raciocínio são utilizados pelo homem. Uma pessoa fala quando deseja comunicar alguma coisa a alguém, ao passo que pensa quando precisa esclarecer algo para si mesmo – quando deseja considerar algum assunto intelectual, ou quer lembrar-se daquilo que já aprendeu, pensa, em vez de falar.

O Eterno, Bendito seja, criou o mundo de tal maneira que a força vital na criação está encoberta, oculta. (Assim, a palavra para "mundo" em hebraico – olám – deriva da palavra he’elam, que significa ocultação). Para enfatizar que o mundo foi criado para parecer como se fosse algo separado e independente de D’us, nossos Sábios escolheram cuidadosamente a expressão: "com dez pronunciamentos o mundo foi criado" – comparando assim a força vital do mundo a uma pessoa comunicando-se com outra por meio da palavra. No entanto, no que diz respeito à alma, Nossos Sábios usam a expressão, "As almas judaicas sobem no [Divino] pensamento", pois Ele as criou para Seu próprio bem – com o propósito de revelar a Divindade no mundo.

Israel como Filhos

Para ajudar-nos a ganhar um exato entendimento da natureza elevada da alma, o Tanya cita dois versículos que descrevem o povo judeu como os filhos de D’us. Um versículo, "Israel é meu primogênito", refere-se ao povo judeu como um todo. O outro "Vocês são filhos do Eterno, seu D’us" – filhos, no plural, infere que cada judeu individualmente é um filho de D’us por direito próprio. E de que maneira é a alma aparentada a um filho? Rabi Shneur Zalman explica: "Assim como um filho deriva do cérebro de seu pai, assim também, por analogia, a alma de todo judeu derivou do pensamento e sabedoria de D’us."

Há duas pessoas a quem o cérebro de alguém afeta – seu filho, e seu aluno. O filho é concebido pela gota de sêmen que deriva do cérebro de seu pai, e a mente do aluno desenvolve-se a partir do conhecimento e sabedoria que recebe do professor. Ambos recebem do cérebro do doador, porém cada qual é afetado de maneira totalmente diferente. O professor não concede ao aluno a essência de seu intelecto – somente seus aspectos externos, seu entendimento e seu raciocínio num determinado assunto. Aquilo que o mestre revela a seu aluno é mencionado na sabedoria da Chassidut como a radiância de seu intelecto, mas não sua essência. O efeito que um pai tem sobre seu filho é o oposto – a essência de sua capacidade intelectual é transferida à criança. Portanto, a criança é como seu pai, e é possível até que "a capacidade da criança exceda a de seu pai".

Vale a pena destacar que a similaridade entre pai e filho não é apenas superficial – são realmente iguais, pois o pai transferiu sua essência ao filho. E assim como ocorre na analogia do pai e do filho, assim também é no que diz respeito às almas de Israel. Todo judeu, incluindo o mais simples e iletrado, não somente aqueles que são notáveis e importantes, "são extraídos do pensamento e da sabedoria de D’us". Portanto, todos os judeus são chamados filhos de D’us, pois a essência da sabedoria de D’us reside em toda alma judaica, que é assim considerada "uma parte do D’us acima".

Diferentes qualidades

Consideremos as palavras de Nossos Sábios em Pirkê Avot [Ética dos Pais] a respeito do amor que o Eterno, Bendito seja, tem por Israel: "Amado é o povo de Israel, pois eles são chamados filhos de D’us," e "Amado é o povo de Israel, pois um artigo precioso (a Torá) foi dado a eles". Cada uma dessas declarações expressa um tipo diferente de amor que D’us tem pelo povo judeu. Há o amor que Ele tem por Israel por causa da Torá, e existe o amor que Ele tem por eles porque são Seus filhos. São dois tipos de amor. O autor do Tanya enfatiza que o povo judeu é chamado "os filhos de D’us", não por causa da Torá que lhes foi outorgada, mas por sua própria virtude – por causa de suas almas, "que são extraídas do pensamento e sabedoria de D’us".



Parte 12 – Todos os Homens São Iguais?

O No segundo capítulo do Tanya, Rabi Shneur Zalman explica que as almas dos judeus se originam na fonte idêntica: "Assim como um filho é derivado do cérebro de seu pai, assim também é a alma de todo judeu derivada do pensamento e sabedoria de D’us." Tendo isso em vista, no entanto, como explicamos que nem todas as almas são do mesmo nível espiritual?

Todos os homens não são criados iguais. Nossos Sábios dizem: "Assim como as características dos homens diferem, assim também suas opiniões." E assim como as pessoas diferem no aspecto físico, na capacidade intelectual e nos traços de caráter, também diferem na natureza de sua alma. Estas diferenças estão expressas na medida da Divina revelação que cada alma é capaz de absorver. Uma alma mais elevada é aquela capaz de conter uma maior revelação da Divindade; uma alma de estatura espiritual menor pode conter menos luz Divina, menos santidade. Dessa maneira, evoluem "miríades de diferentes gradações de almas, categoria após categoria, até o infinito."

Níveis diferentes

De modo geral, pode-se fazer uma distinção entre almas elevadas, como a dos Patriarcas e a de Moshê nosso mestre, e as almas que são reveladas "em nossas gerações [que pertencem ao] período precedendo a vinda de Mashiach".

É explicado na Cabalá que Adam, o primeiro homem, possuía uma alma universal, que incluía em si todas as almas dos judeus das gerações futuras. Algumas das almas eram da categoria mais elevada – o nível da cabeça e do cérebro; almas de um nível inferior estavam incluídas nos outros membros; e as almas no período precedendo a vinda de Mashiach são do nível dos calcanhares do pé. E assim como a vitalidade imbuída nos calcanhares não podem de modo algum ser comparadas à vitalidade intrínseca da cabeça, da mesma forma não pode haver comparação entre aquelas almas que são "do nível dos calcanhares dos pés", e as almas elevadas da categoria de "cabeça" e "cérebro".

Na verdade, esta hierarquia de almas judaicas, que passa por toda a gama de níveis da "cabeça" ao "calcanhar", é encontrada em toda geração: "Dentro de cada geração" – escreve Rabi Shneur Zalman – "existem aqueles que são os cabeças das multidões de Israel, pois suas almas estão na categoria de "cabeça" e "cérebro" em comparação com aquelas das massas e dos ignorantes." Deduz-se então que há uma gama imensa de níveis entre as almas, da "cabeça" até os "calcanhares".

A Analogia da Criança

A analogia acima mencionada, descrevendo o relacionamento entre uma criança e seu pai, nos ajudará a entender sua contrapartida no reino das almas, "Israel, meu filho primogênito". O filho que deriva do cérebro de seu pai possui 248 membros. Claramente, não afirmamos que cada membro tem uma fonte separada no pai da criança – a criança inteira deriva da mesma gota de sêmen que é destilada do cérebro do pai. A divisão dos órgãos e membros do filho em diversas entidades é provocada por um fator diferente – "estar no útero da mãe durante nove meses". Ali, os diferentes órgãos e membros evoluem e se desenvolvem, da cabeça às unhas dos pés da criança.

Assim também é no que tange a "Israel, meu primogênito". Há uma raiz de todas as almas, seja da categoria mais elevada ou da inferior – isto é Chochmá Ila'á (Sabedoria Celestial). As diferentes categorias encontradas entre as almas originam-se numa fonte diferente, secundária – da "ordem encadeada da descida dos mundos". Aquelas almas que são atraídas do nível de Chochmá (Sabedoria) de Atzilut (o nível mais elevado do mundo mais sublime) são correspondentemente às almas mais elevadas. Outras almas estão num nível espiritual mais baixo, correspondendo aos mundos inferiores que são chamados almas de Beriá, ou almas de Yetzirá, ou almas de Assiyá.

Além disso, Rabi Shneur Zalman destaca, mesmo após o nascimento de uma criança todos seus membros continuam ligados a sua fonte original – o cérebro do pai da criança. Até as unhas de seus pés extraem nutrição do cérebro de uma pessoa, e como o cérebro da criança é como o de seu pai, de onde deriva, as unhas de seus pés também estão conectadas, e unidas, com sua fonte original.

Assim como ocorre na analogia do corpo humano, assim também é a respeito da comunidade de Israel acima mencionada. Em toda geração existem almas que estão ao nível da cabeça, que nutre e vitaliza todos os outros "membros". Estas são as almas "dos justos e dos sábios, os 'cabeças' de Israel em sua geração." Quando as almas "dos ignorantes e menos merecedores" são conectadas aos justos e se apegam a eles, estão na verdade "conectadas e unidas com sua essência original e sua raiz na Sabedoria Celestial".



Parte 13 – Apegando-de aos Sábios da Torá

Quanto às instruções da Torá, "ama a D’us, caminha em todos os Seus caminhos, e apega-te a Ele", a Guemará pergunta: "É possível apegar-se à Divina Presença, a Shechiná? Certamente a intenção do versículo é instruir-nos que aquele que casa sua filha com um sábio de Torá, ou que faz negócios com um sábio de Torá, ou que usa suas posses para beneficiar um sábio de Torá, é considerado pela Torá como se ele se apegasse à Shechiná." (Ketubot 111b).

Rabi Shneur Zalman acrescenta profundidade e uma nova dimensão à explicação do Guemará sobre a mitsvá de "apegar-se a Ele." Adiciona uma única palavra – "ele é considerado pela Torá como se realmente se apegasse à Shechiná." A inserção dessa palavra nos dá um entendimento muito diferente deste preceito, como será explicado.

Porém primeiro, todo o ensinamento que iguala apegar-se a um sábio de Torá com apegar-se à Shechiná precisa ser esclarecido. Podemos entender como uma pessoa que se ocupa com o estudo de Torá, a sabedoria de D’us, é considerada como apegando-se à Divina Presença. Mas e quanto à pessoa comum, sem conexão à sabedoria da Torá, à Sabedoria Celestial? Como podemos dizer que ao apegar-se aos sábios da Torá considera-se como se ele tivesse se apegado à Shechiná?

Apegando-se à Divina Presença

Das palavras de Nossos Sábios acima citadas, entendemos que um justo, um tsadic, age apenas como um meio conectando uma pessoa à Shechiná. Ou seja, aqueles que se apegam a um sábio de Torá estão conectados com um homem que ele próprio está conectado com à Divina Presença. Rabi Shneur Zalman, no entanto, acrescenta a palavra "realmente" – "como se ele realmente se apegasse à Shechiná", assim destacando que em virtude de apegar-se a um sábio de Torá, uma conexão direta é feita entre a pessoa que se apega ao sábio e à Shechiná. O judeu simples que se apega a um tsadic é tão elevado por esta conexão que "realmente se apega à Shechiná." Como isso pode ser explicado?

Este princípio é declarado como uma continuação do conceito que Rabi Shneur Zalman explicou na primeira metade do capítulo dois, que todas as almas judaicas juntas formam uma única estrutura análoga ao corpo humano. Assim como todas as partes do corpo de um homem – de sua cabeça às unhas dos pés – derivam sua vitalidade do cérebro enquanto fizerem parte do corpo, assim também no que diz respeito à comunidade de almas judaicas acima, Knesset Yisrael.

O propósito da descida da alma a este mundo material é cumprir a vontade do Criador aqui neste mundo. Existem almas da categoria da "cabeça", que permanecem não-afetadas e inalteradas por sua descida a este mundo. E há outras almas que são adversamente afetadas pela sua descida a este mundo, de forma que é impossível comparar seu status espiritual do presente com o nível original de suas almas antes de terem descido.

Quando um judeu simples apega-se a um sábio de Torá, à "cabeça", ele recebe vitalidade espiritual do sábio, permitindo-lhe funcionar adequadamente em seu serviço a D’us. Além disso, o sábio desperta e leva a um estado de revelação a raiz da alma da pessoa apegada a ele, pois num judeu iletrado a raiz da alma na Sabedoria Celestial, Chochmá Ila'á, está oculta. Quando isso acontece, o judeu simples também sente seu apego à Sabedoria Celestial, e apega-se realmente à Divina Presença.

Aqueles que se rebelam

E quanto àqueles judeus que não se apegam aos justos e aos sábios, os "pecadores voluntários e rebeldes contra os sábios de Torá", como são chamados pelo Tanya, mas que mesmo assim não se rebelam contra o Eterno, bendito seja, D’us não o permita? Segundo sua opinião eles estão conscientes do "endereço" do Eterno, eles próprios, e não requerem a mediação de um tsadic.

Já explicamos que todo o povo judeu constitui uma única entidade, cuja estrutura é análoga ao corpo humano. No corpo humano não é possível que um dos membros ou órgãos possa decidir que não deseja receber sua nutrição da cabeça, mas sim de uma fonte diferente. O mesmo conceito se aplica às almas – seja voluntariamente ou não, as massas recebem sua nutrição espiritual e vitalidade através das almas "dos 'cabeças' de Israel em sua geração." A única área onde há livre arbítrio é de que maneira esta vitalidade será recebida – se diretamente, a partir do "semblante", e o aspecto de interioridade, ou indiretamente, da "parte posterior" e do aspecto de superficialidade.

A influência do tsadic sobre aqueles que se apegam a ele pode ser comparada a alguém que dá um presente a um amigo – dá com alegria e prazer visíveis. Isso é análogo à maneira pela qual um tsadic doa seu ser mais interior àqueles que se apegam a ele. Em contraste, embora uma pessoa se rebela contra o tsadic também recebe dele sua nutrição espiritual, pois o tsadic é o canal para a nutrição da alma também daquele judeu, apesar disso, é dado a ele numa maneira comparável a alguém que dá simplesmente a fim de cumprir uma obrigação – de má vontade e relutantemente. Este é o significado de dar da "parte posterior", como alguém que atira um objeto a seu inimigo por cima do ombro. Cada pessoa pode escolher de que maneira prefere receber a vitalidade de sua alma.

Parte 14 – Os Poderes da Alma

A alma possui muitos e variados poderes. O presente ensaio abordará superficialmente o tema dos poderes imanentes da alma (em oposição aos poderes transcendentes da alma, que serão discutidos mais a fundo), que compreende três faculdades intelectuais e sete emocionais. Nas palavras do Tanya, capítulo três: "Estas dez faculdades correspondem às Dez Sefirot Celestiais (manifestações Divinas), das quais elas desceram." Além do fato de que os poderes imanentes da alma se originarem nas dez sefirot, de onde foram extraídos, também estão arranjados em formação idêntica. Além disso, estas duas categorias, as dez sefirot e as dez faculdades da alma, estão divididas em atributos intelectuais e qualidades emocionais, e em ambos os grupos, os atributos intelectuais dão origem aos atributos emocionais. Em muitos outros aspectos, também, os poderes da alma correspondem às Sefirot Celestiais.

Intelecto e Emoções

As três faculdades intelectuais, chamadas ChaBaD (Chochmá (sabedoria), Biná (entendimento) e Da'at (conhecimento), são denominadas as "mães". Os sete atributos emocionais são chamados de "filhos". [Estes estão agrupados juntos como: CHaGaT – chesed (bondade), Guevura (severidade), e Tiferet (beleza ou compaixão), e NeHYM – Netzach (resistência), Hod (esplendor), Yesod (alicerce), e Malchut (realeza)]. O objetivo de denominar as três faculdades intelectuais de "mães" e os sete atributos emocionais de "filhos" é sugerir que deve-se ver o relacionamento entre as três faculdades intelectuais e os sete atributos emocionais da alma Divina como sendo similar ao relacionamento entre pais e filhos. Esta comparação aplica-se à forma que os atributos emocionais são revelados, e também à maneira na qual eles são apoiados e continuam a existir.

Embora as qualidades emocionais também sejam encontradas nos animais, não estão baseadas no intelecto e na lógica. Ao contrário, são meramente inatos e instintivos. A águia é por natureza amorosa com seus filhotes, o corvo é inerentemente cruel. Entre os homens também encontramos disposições similares: uma pessoa é complacente por natureza; outra é naturalmente miserável. Os atributos emocionais da alma Divina, no entanto, não são ativados pelo instinto, ou pelo fato de serem inatos. São as faculdades intelectuais que despertam e desvelam os atributos emocionais. Cada tipo de idéia ou percepção intelectual dá origem a uma reação emocional correspondente. No campo da santidade, o valor mais elevado é colocado sobre o amor e reverência a D’us, que o homem adquire pelo esforço intelectual. Portanto, para entender como um judeu, pelo esforço intelectual, consegue despertar em si atributos emocionais positivos, emoções vindas do reino da santidade, devemos primeiro entender a natureza do "intelecto" e tudo que ele abrange.

CHaBaD

É explicado nos ensinamentos de Chabad que Chochmá, Biná e Da'at não são termos independentes que expressam funções individuais na alma do homem. O Tanya declara: "A faculdade intelectual da alma racional que concebe qualquer assunto é chamado Chochmá [que é composto de duas palavras] "choch" e "má", o potencial de "que é" [i.e., pensamento nebuloso, embriônico]. Quando alguém atrai o potencial ao real, ou seja, quando alguém pondera com seu intelecto [neste pensamento embriônico] a fim de entender por completo o assunto, e mergulha em suas profundezas enquanto evolui do conceito que tinha formulado em seu intelecto – isso é chamado Biná.

A faculdade de Chochmá denota o primeiro ponto básico de concepção de qualquer assunto intelectual. Manifesta-se geralmente no homem como o lampejo intuitivo de iluminação que é o início da revelação intelectual. Como a pessoa não conseguiu ainda decifrar a idéia, pergunta a si mesma: "O que é isso? O que significa?" Isso significa apenas um entendimento superficial de um assunto que a pessoa pretende aprender bem.

Biná, no entanto, significa o segundo estágio do processo de pensamento, no qual a pessoa esforça-se para entender clara e profundamente o lampejo de Chochmá. Nesta fase a pessoa estuda o assunto a fundo, determinando os detalhes da idéia embriônica, e elucidando-a por meio de analogias e exemplos, a fim de compreender todo o assunto claramente. Deveria ser destacado que estas duas faculdades, Chochmá e Biná, são o "pai e a mãe", que dão origem aos atributos emocionais. Assim, quando uma pessoa ativa estas faculdades naquelas áreas de estudo que descrevem a grandeza do Criador, desencadeia em si mesmo o amor e a reverência a D’us. Após a atividade de Chochmá e Biná, a faculdade de Da'at mescla-se com elas.

Etimologicamente, Da'at significa "apego e vínculo" com o assunto que a pessoa estuda. Da'at familiariza intimamente a pessoa com o conceito que ela compreende. Não apenas ele entende a idéia objetivamente e impessoalmente – ele a vive conscientemente.

Temos tratado aqui do nascimento de atributos emocionais positivos, mas não nos enganemos a ponto de pensar que estas emoções já estão presentes em nós. Poderia parecer-nos que possuímos amor e reverência a D’us, mas esta é somente a maneira que aparenta. Tais sentimentos poderiam bem ser falsas ilusões. Às vezes, as emoções de uma pessoa podem ser realmente despertadas, e apesar disso não ter efeito algum sobre ele. Tais emoções estão na categoria de "fantasias vãs", pois não tem benefício algum para a pessoa. Através do efeito de Da'at, todos os atributos emocionais positivos de uma pessoa podem tornar-se reais. Podem vir a realizar-se.

Parte 15 – Meditação e as Emoções

Em suas "Leis dos Fundamentos da Torá", o Rambam explica que a maneira de chegar ao amor e reverência a D’us é através da meditação sobre as maravilhosas obras da criação. No capítulo três do Tanya somos apresentados a um nível ainda mais profundo de meditação baseada na Cabalá: A pessoa contempla como D’us preenche todos os mundos, como Ele envolve todos os mundos, e como em Sua presença tudo é considerado como um nada. Estes conceitos explicam como o Eterno, Bendito seja, anima toda a criação com luz Divina imanente e força de vida, e como Ele ilumina os mundos com uma luz Divina que transcende todos os mundos, e como todos os mundos são como nada em relação à Sua bendita essência.

Quando uma pessoa contempla profundamente estes assuntos, reações emocionais serão despertadas dentro dela. Estas emoções derivam da santidade. Exatamente quais emoções serão despertadas, seja aquelas da categoria do amor, ou aquelas da categoria do temor, depende do assunto que ele contempla, sua direção geral e seus detalhes.

Emoções são "Filhos"

O ponto básico de Chochmá (sabedoria) e seu desenvolvimento dentro de Biná (entendimento) pode ser comparado ao relacionamento de pais que dão nascimento aos filhos. Os ensinamentos da Chabad Chassidut estão repletos de analogias comparando o nascimento das emoções ao nascimento de filhos. Na Cabalá, um filho é uma metáfora para o amor de D’us, e uma filha uma metáfora para o temor a D’us.

Dessa maneira, assim como distinguimos dois estados de ser no que tange a um filho – quando está no útero antes de nascer, e como ele é depois do nascimento – exatamente da mesma maneira podemos distinguir dois estados de emoções – qualidades emocionais ocultas dentro da mente e raciocínio de um homem, antes de ser revelado em seu coração, e como elas são num estado de verdadeira revelação em seu coração.

Para tornar esta idéia mais palpável, usemos um exemplo para ilustrar. Reverência e temor parecem ser emoções equivalentes. No entanto, há uma diferença sutil entre elas: reverência é uma reação intelectual manifestada no cérebro, ao passo que temor é uma reação emocional manifestada no coração. Assim, quando Rabi Shneur Zalman descreve a revelação destas duas qualidades, ele primeiro discute a reverência de Sua Divina majestade despertada na mente da pessoa ("ficar reverente e humilde perante Sua bendita grandeza, que não tem fim ou limite"). Somente depois ele discute a idéia de "temor nascido em seu coração."

Uma filha nascida primeiro

Uma máxima de Nossos Sábios afirma: "Uma filha nascida primeiro é a precursora de um filho." No serviço do homem a D’us, esta é também a ordem adequada – é necessário primeiro despertar reverência e temor a D’us (uma filha em nossa analogia) pois isso será o precursor da capacidade de um homem de conter o amor a D’us em seu coração (um filho em nossa analogia).

O Tanya assim se expressa a esse respeito: Primeiro "reverência pela Divina Majestade nascerá e será despertada na mente e raciocínio da pessoa… e o temor a D’us em seu coração" e somente depois "seu coração brilhará com um amor intenso [a D’us] como chamas ardentes, com paixão desejo e saudade, e uma alma ansiosa pela grandeza do Infinito, Bendito seja.

Mas por que deveria ser assim? Por que esta é considerada a ordem correta? Para entendermos este ponto, examinemos o que, na essência, implica o amor a D’us, e o que acontece com uma pessoa quando começa a amar seu Criador. Como resultado de seu apego ao Criador, a pessoa se transforma em alguém que jamais conhecemos antes. Ele abandona seus desejos pelas coisas deste mundo às quais estava previamente ligado, pois o amor a D’us e os desejos mundanos se opõem um ao outro como água e fogo.

Porém, para se tornar uma pessoa diferente, para ser transformada pelo amor de D’us, este amor deve ser precedido pelo temor a D’us. Este é um princípio no pensamento chassídico: a metamorfose de um estado de ser a outro acarreta um estado intermediário de não-ser. Por analogia: uma semente plantada na terra deve decompor-se e perder sua forma original para então se desenvolver em uma árvore. E enquanto ela retiver sua forma e propriedades originais, não pode ser transformada em algo novo. A mesma regra aplica-se ao crescimento espiritual: a reverência a D’us, que leva a pessoa a um estado de auto-anulação e submissão, causa a cessação de sua existência prévia, e o amor a D’us que se segue o transforma inteiramente em outra pessoa.


Parte 16 – Amor e Reverência a D’us

No Sefer haMitsvot do Rambam, os mandamentos de amar e temer a D’us vêm logo em seguida aos dois mandamentos a respeito da crença em D’us. Colocá-los nesta ordem nos ensina que as mitsvot de amor a reverência a D’us são de fundamental importância em todo o esquema das mitsvot, pois não são apenas dois dos 613 mandamentos que animam e enriquecem todos os outros.

Amor e reverência a D’us são dois assuntos centrais na Chassidut Chabad, que às vezes são tratados como temas paralelos mas diferentes, e outras vezes como uma única idéia, duplamente facetada. Muitos aspectos e níveis destas duas emoções podem ser distinguidos, e cada qual encontra sua própria forma de expressão. Assim, seria muito útil se pudéssemos dar uma idéia do assunto para ajudar a determinar qual o aspecto e qual o nível aos quais se refere o ensinamento específico.

A Reverência a D’us

Como exemplo, examinemos a emoção do temor: Quando a Torá declara: "Tema o Eterno, teu D’us" – a Halachá exige "que temamos sempre o castigo". Este é o nível mínimo de temor exigido de uma pessoa. Ele intimida a pessoa o suficiente para impedi-la de pecar. No entanto, no capítulo três do Tanya somos apresentados a um nível muito mais profundo de temor – a reverência pela Divina Majestade de D’us, de modo que a pessoa ficará "reverente e humilde perante Sua bendita grandeza, que não tem fim ou limite." Da mesma forma que alguém deveria sentir-se envergonhado por agir de maneira inadequada perante uma pessoa importante e distinta a quem respeita muito, deveria ficar envergonhado de fazer o mal na presença de D’us. Quando uma pessoa se vê como estando perto do Rei, está consciente de que D’us está à sua frente, por assim dizer, e se coloca perante D’us. Ele ficará, portanto, extremamente envergonhado de fazer algo contra a vontade de D’us.

De maneira ainda mais profunda, se desejamos identificar os fatores psíquicos que provocam estas emoções, talvez fiquemos surpresos de saber que o medo da punição deriva da kelipá nogá, pois esta está permeada com preocupações pessoais. Por outro lado, a reverência pela majestade de D’us é produzida pelos esforços da alma Divina ao contemplar a grandeza do Eterno, bendito seja.

O Amor a D’us

As exigências da Halachá para cumprir o mandamento "Amarás o Senhor teu D’us" são apenas para a pessoa avaliar os mandamentos do Criador e Suas obras, até que atinja um nível de entendimento deles que desperte o deleite. Rabi Shneur Zalman, no entanto, nos leva a um nível mais profundo de amor, meditando sobre aqueles temas que fazem brotar em seu coração "um amor intenso, como chamas ardentes… rumo à grandeza do Infinito." Este amor é comparado a um fogo ardente, pois quando a pessoa contempla como está distante de D’us, é despertado em sua alma uma sede e uma ânsia por D’us.

O intenso amor a D’us deve ser como o Tanya o descreve: com um "amor apaixonado" que o imerge unicamente em seu Amado ; e com um "desejo ansioso" que é a expressão do deleite de sua alma e do entusiasmo nos assuntos sagrados pelos quais ele anseia; e com "saudade" que é comparado ao amor de uma mulher por seu marido (ao contrário do amor de um filho pelo pai); e com uma "alma ansiosa" que aspira a unir-se com seu Criador. Esta ânsia é tão poderosa que nenhuma barreira pode impedi-la de procurar o objeto de seu desejo. Este é o elevado estado de arrebatamento e a paixão consumidora da alma por D’us, à qual o Rei David se refere nos versículos em Tehilim: "Minha alma anseia [por Ti]; de fato, ela desmaia…" E: "Minha alma está sedenta por D’us…" E novamente: "Minha alma tem sede de Ti…"

Em termos do temperamento da alma "esta sede é derivada do elemento do Fogo na alma Divina." Como explicamos anteriormente, as quatro qualidades elementares da alma – Fogo, Água, Ar e Terra – aplicam-se tanto à alma Divina quanto à alma animalesca. As obras cabalistas explicam que o assento do elemento do Fogo está no coração, ao passo que a fonte do elemento da Água e umidade está no cérebro. Quando uma pessoa está com muita sede faz grandes esforços para encontrar água para matar a sede; da mesma forma, quando a alma anseia por Divindade, não pode ser satisfeita somente com este amor ansioso – sua sede pode ser saciada somente com "água". E Nossos Sábios declaram: "Não há água [para a alma] que não seja a Torá." Ou, como está expresso na Cabalá, o elemento do fogo em seu coração pode ser resfriado apenas pelo elemento da Água no cérebro.



Parte 17 – As Faculdades e Vestimentas da Alma

Qualquer pessoa que mergulhe profundamente nos ensinamentos de Chabad terá às vezes a impressão que está estudando psicologia. Acima de tudo, estes ensinamentos explicam temas e conceitos relacionados ao pensamento e modo judaico de vida, e nos guia aos níveis mais sublimes de nosso serviço a D’us. Apesar disso, quase incidentalmente, somos ensinados a reconhecer a alma e entender sua composição. Pois se não fosse esse o caso, teríamos grande dificuldade para entender muitas outras coisas, como qual o efeito que o estudo de Torá tem sobre a alma, e de modo contrário, quais são as conseqüências negativas para uma alma que transgride os mandamentos da Torá.

Num sentido geral, os componentes do corpo humano podem ser divididos em diversas categorias: os membros externos, os órgãos internos, e aqueles membros e órgãos vitais dos quais depende a vida da pessoa. A mesma idéia é verdadeira sobre a alma como uma entidade espiritual. Podemos distinguir a essência da alma, as faculdades e qualidades da alma – ou seja, o intelecto e as emoções – e as três "vestimentas da alma" – pensamento, fala e ação.

A alma e suas faculdades

Embora a alma possua faculdades intelectuais e poderes emocionais, não são a essência da alma. Ao contrário, eles podem ser descritos como apenas uma radiância ou reflexo da alma. A essência da alma está muito além de qualquer um de seus poderes ou faculdades. Da mesma maneira que o cérebro físico de uma pessoa é apenas um "recipiente" ou meio para as faculdades intelectuais da alma humana, assim também a faculdade intelectual da alma é simplesmente um "recipiente" para a essência muito maior da alma.

Não deve ser presumido que o intelecto é a essência da alma, pois ao passo que a alma em si não passa por mudanças, o intelecto experimenta muitas e variadas mudanças. A capacidade intelectual de uma criança não pode ser comparada à de um adulto, pois "[com a passagem de] muitos dias [crianças] falarão, e [após] muitos anos [um homem] adquire sabedoria." Além disso, às vezes a mente de uma pessoa está lúcida, e em outras vezes está confusa. Estas mudanças que ele sofre não são experimentadas pela alma.

As "vestimentas" da alma

Além das acima mencionadas faculdades intelectuais e emocionais da alma, a alma também possui três poderes auxiliares. São o pensamento, fala e ação, que são chamados "vestimentas" – um título descritivo que expressa sua natureza e singular funcionamento em diversos níveis.

A comparação desses poderes da alma a vestimentas revela uma idéia importante: assim como as roupas de uma pessoa não são parte de seu corpo, mas mesmo assim expressam sua personalidade e retratam o papel que ela desempenha na sociedade e o trabalho que faz, etc, e afetam a maneira das pessoas se relacionarem com ela, assim também as "vestes" espirituais da sua alma. A eficácia e utilidade de pensamento, fala e ação são que eles revelam suas faculdades interiores ocultas. Por meio do pensamento uma pessoa revela seu entendimento e outros atributos intelectuais, e suas emoções a si mesmo. A fala revela estas qualidades a outros, e por meio da ação ele aplica seus talentos ao mundo físico.

Além disso, da mesma maneira que as roupas beneficiam aquele que as veste (além de ser um benefício a sua associação com outros), assim também as vestes espirituais do pensamento, fala e ação são benéficos à própria pessoa, além de serem meios de comunicação. Pois quando uma pessoa se expressa por meio da fala, acrescenta à própria iluminação intelectual e emocional. Por meio da ação ele completa e torna real aquilo que era possível apenas potencialmente. E se não fosse pelo pensamento, as faculdades intelectuais de uma pessoa ficariam escondidas até dela mesma.

Deve-se destacar que do ponto de vista da alma de uma pessoa, seu intelecto e emoções são faculdades introspectivas, dirigidas para seu íntimo, unidas com sua alma. Ao contrário, as "vestes" da alma de uma pessoa expressam somente suas realizações, e a vitalidade investida nelas é apenas superficial. Portanto, quando uma pessoa sublima suas emoções, por exemplo, transforma sua apreciação dos deleites materiais em amor a D’us, realiza uma profunda mudança interna em sua alma. No entanto, qualquer mudança nas vestes externas de sua alma – tais como mudar do pensamento para a fala, ou de um assunto intelectual a outro – não realiza uma importante transformação de caráter.

Claramente, no presente contexto, Rabi Shneur Zalman indica que as "vestimentas da alma" referem-se apenas a pensamento, fala e ação que são ativados em assuntos de santidade. Sua eficácia e utilidade é que eles possibilitam que a alma realize o que não poderia conseguir por si mesma. como será explicado.

Parte 18 – "Vestindo" e Revelando

Quando uma pessoa faz uma aparição pública, veste-se adequadamente para a ocasião. Similarmente, quando os poderes interiores ocultos da alma são revelados, é apenas por meio de suas "vestes" – pensamento, fala e ação.

Porém as vestes devem ser apropriadas; somente quando são ativos em assuntos sagrados, o pensamento, fala e ação podem revelar os poderes da alma Divina.

No início do capítulo quatro do Tanya, Rabi Shneur Zalman enfatiza que os "613 'órgãos' de sua alma estão revestidos nos 613 mandamentos da Torá." Disso deduzimos que ao observar todos os mandamentos, todas as 613 faculdades da alma tornam-se reveladas – cada faculdade da alma através de sua correspondente "veste"-mitsvá. Este processo de vestir a alma em suas roupas adequadas, revelando assim seus poderes, é conduzido por toda a gama de atividades espirituais humanas. Mais especificamente, uma pessoa emprega a veste da ação ao cumprir aqueles mandamentos que estão no âmbito da ação. Quando ele "ocupa-se em explicar os 613 mandamentos e as leis que governam seu cumprimento", ele usa a veste da fala. E quando ele mergulha na compreensão dos quatro níveis de Pardes da Torá (um acróstico das quatro palavras hebraicas, Peshat, Remes, Drash e Sod, que significam: o sentido simples, intimação, explicação homilética e o significado esotérico, respectivamente. Estes são os quatro níveis da interpretação escritural) ele utiliza a veste do pensamento. Em outras palavras, por meio de compreender a Torá, basicamente as faculdades intelectuais da alma são reveladas; através do cumprimento dos preceitos, principalmente as emoções são reveladas. Ao cumprir os preceitos positivos, o amor de um homem a D’us é revelado, e ao observar os mandamentos negativos sua reverência ao Criador se expressa.

O Intelecto e Compreendendo a Torá

Há muitos e variados objetivos para se aprender Torá, como está explicado nos escritos de Nossos Sábios. Dentre estes objetivos estão: aprender para saber o que fazer, como cumprir os preceitos, e como comportar-se como judeu em todos os aspectos da vida diária. Há também o estudo de Torá que visa a conhecer toda a Torá – dos vinte e quatro livros das Escrituras até a completa lei Oral. No início do quarto capítulo do Tanya, como um prefácio a sua explanação das vantagens de estudar Torá, Rabi Shneur Zalman nos presenteia com uma breve descrição do efeito do estudo de Torá sobre a alma. Quando um judeu faz esforços intelectuais para entender um determinado assunto na Torá, suas faculdades mentais, i.e., sua Chochmá (sabedoria), Biná (entendimento) e Da'at (conhecimento) são revestidos em pensamentos de Torá – uma elevada realização à qual deveria se conferir grande importância.

Amor e Reverência como a Raiz da Observância dos Preceitos

Rabi Shneur Zalman explica detalhadamente que as emoções do amor e temor a D’us são ativadas principalmente no cumprimento dos preceitos. Há muitos fatores que motivam um homem a agir segundo os desejos de seu Criador. Talvez ele aja pelo hábito, e sua observação dos preceitos seja mera rotina. Ou talvez ele aja por um senso de dever. Talvez seja uma pessoa de caráter espiritualmente refinado que não poderia agir de outra forma. Ou talvez ele cumpra os mandamentos para livrar-se de uma obrigação, ou receber uma recompensa. Mas o cumprimento das mitsvot da maneira mais ideal é quando elas estão imbuídas de amor e temor a D’us.

Assim, o amor a D’us é a raiz da observância judaica de todos os 248 mandamentos positivos, pois aquele que realmente ama o Todo Poderoso anseia por apegar-se a Ele. E como alguém não pode realmente apegar-se a Ele, exceto por intermédio dos 248 mandamentos positivos, é isso que ele faz. Seu amor a D’us e seu desejo de apegar-se a Ele exige que cumpra os mandamentos, pois esta é a única maneira de satisfazer seu anseio.

Similarmente, o temor a D’us é a raiz da observância das 365 proibições da Torá. A transgressão constitui um motim contra a autoridade de D’us, e aquele que implantou o temor em seu coração fará todos os esforços para não se rebelar contra o Rei dos Reis, o Eterno, bendito seja. Aquele que atingiu um nível ainda mais profundo de reverência – e "ele se sente envergonhado perante a grandeza de D’us, portanto não se rebelará à vista de Sua glória fazendo o que é mal a Seus olhos, ou seja, todas as coisas abomináveis odiadas por D’us", certamente não tropeçará nem cometerá pecado.

O cumprimento dos preceitos permeados com amor e reverência não é externo e superficial. Pelo contrário, é repleto de vitalidade e ansioso deleite. Uma pessoa nessa posição é cuidadosa em observar todo limite e cerca ao redor da lei. Embeleza seu cumprimento dos preceitos da melhor maneira possível, e faz tudo que esteja relacionado à Torá com grande devoção. Uma pessoa que tem amor intenso e ânseia pela Divindade vivencia grande deleite ao cumprir os mandamentos. E Acima, também, há deleite em seu serviço, e a luz Divina o ilumina.

Parte 19 – O Encontro Abaixo

A alma desce do alto para ser vestida num corpo de carne e osso. Num estilo semelhante o Eterno, bendito seja, abaixa Sua Torá a este mundo, e a veste de matérias físicas. É especificamente neste mundo material que eles se encontram. Em vista disso, os anjos apresentaram um argumento convincente ao Eterno, quando Ele outorgou a Torá a Israel. Sua alegação: "Concede Tua Glória nos Céus" era um pedido para que o Criador diminuísse o processo de descida da Torá abaixo e se satisfizesse com o encontro da Torá e as almas judaicas acima nos mundos superiores.

Claramente, esta descida da Torá abaixo não é um fim em si mesma. Ao contrário, funciona como um meio pelo qual uma subida é conseguida, pois é através da Torá neste mundo que a alma é capaz de atrair santidade sobre si mesma ao servir o Criador. Esta subida é possível somente em virtude da descida anterior da Torá. No capítulo quatro do Tanya, o autor explica que a descida da Torá e mitsvot abaixo para serem revestidas no mundo material tem um significado enorme – pois este é o único meio pelo qual a sabedoria de D’us pode ser absorvida.

Descendo sem Mudar

Em muitos locais Nossos Sábios comparam a Torá à água, "pois assim como a água desce de um nível mais elevado para um nível inferior, assim também a Torá desceu de seu lugar de glória, sendo a vontade e sabedoria de D’us… [A Torá] viajou numa descida através de estágios ocultos… até que se vestiu em roupas materiais e coisas desse mundo." Mais precisamente: Assim como a água em sua descida muda apenas seu lugar, mas não sua substância essencial, assim também é com a descida da Torá. Quando um judeu estuda Torá e cumpre os mandamentos aqui neste mundo, ele apreende a mesma vontade e sabedoria do Eterno, bendito seja, que residem acima com D’us.

Portanto, de fato, a descida da Torá abaixo não deveria ser considerada de forma alguma como depreciativa. Pelo contrário, isso revela a elevação da Torá, pois o aspecto de sabedoria que tem a capacidade de descer e ser revelado neste mundo em objetos físicos é muito superior ao aspecto da sabedoria que é revelado à alma nos mundos espirituais. A Chassidut explica que as revelações à alma nos mundos espirituais são comparáveis à influência que um professor tem sobre seu aluno, onde o aluno recebe somente a revelação superficial do intelecto de seu mestre. Isso é considerado como apenas o reflexo externo do intelecto do professor, em vez de sua essência. Em contraste a isso, o aspecto da Sabedoria Celestial que é atraído para a alma e ali revelado quando um judeu cumpre os preceitos ativos neste mundo material é comparável ao relacionamento que um pai tem com seu filho – como foi explicado previamente, a essência de seu cérebro é transferida para seu filho.

No final do capítulo quatro, o Tanya explica que a abordagem acima mencionada também explica a declaração de Nossos Sábios em Pirkêi Avot : "Uma hora de arrependimento e boas ações neste mundo é melhor que a vida inteira no Mundo Vindouro." No Mundo Vindouro os perfeitamente justos se deleitam na radiância da Divina Presença – esta "radiância" é apenas um reflexo da Divina Presença, um remoto vislumbre da Divina Luz. De modo contrário, ao cumprir a Torá e mitsvot neste mundo a alma tem uma noção do próprio Eterno, bendito seja!

Abraçando o Rei

Embora a Torá esteja revestida em "vestes" materiais, sem as quais a alma não poderia entender a bendita vontade e sabedoria de D’us, isso não deprecia o alto nível de Torá e mitsvot cumpridas nesse mundo.

Rabi Shneur Zalman explica que vestir a Torá no mundo material não impede uma pessoa de apegar-se a Seu Criador através da Torá. Isso pode ser comparado a alguém que merece abraçar seu rei, ou a alguém que merece que seu rei o abrace. Que o rei esteja vestido em seu manto não diminui o valor e a intimidade do fato de que ele merece abraçar o rei. E quanto à pessoa afortunada a quem o rei abraça – é irrelevante para ele se o rei está vestido numa roupa simples ou em vários mantos.

Quando estuda Torá e cumpre mitsvot nesse mundo, a alma e todas suas faculdades estão fortemente "atadas no feixe da vida com D’us" e são assim elevadas aos níveis mais elevados. Além disso, a alma é envolvida da cabeça aos pés, por assim dizer, na luz da Divindade, como declara o versículo no Tehilim: "Ele é minha rocha, na qual busco abrigo" e "A Vontade de D’us o cerca como uma armadura." Assim como uma armadura envolve um homem e o protege do mal, assim a Vontade Celestial de D’us envolve aquele que cumpre as mitsvot.

A proximidade com D’us é o propósito interior de servi-Lo. O fato de que abraçar o rei é conseguido por meio de objetos físicos não diminui o prazer que uma pessoa sente em servir a seu Criador.



Parte 20 – Unindo-se à Sabedoria de D’us

O homem consegue entender o Eterno, bendito seja? Eliyáhu, o Profeta, declarou: "Nenhum raciocínio pode Te entender!"

Rabi Shneur Zalman explica longamente este conceito. Há uma distinção entre raciocínio comum e raciocínio envolvido em Torá e mitsvot. Através do segundo tipo de raciocínio, um judeu é capaz de "entender" o Eterno, bendito seja.

O significado de "entender" no sentido espiritual precisa de uma explicação. Os ensinamentos de D’us – a Torá – foram dados a nós para estudar e para entender. Mas a essência da Torá é pura santidade. Assim surge a questão: como é possível compreendê-la? Além disso, através de quais meios um judeu abraça o Eterno, bendito seja? Recebemos as respostas a estas perguntas no quinto capítulo do Tanya.

Absorvendo um Conceito

De um ponto de vista técnico, o conhecimento é adquirido em estágios. Desde o início, quando alguém é primeiro apresentado a um assunto (que geralmente aprende de maneira superficial e geral, neste estágio) ele "abraça" o conceito intelectual, para que "a mente apreenda aquele assunto e o domine."

Um estágio mais avançado de absorver o material é conseguido somente depois que ele tem um adequado e preciso entendimento de todo o tópico, tendo estudado todas as matérias específicas que compõe o assunto. Neste estágio o material que estuda é bem absorvido pelo intelecto. Na linguagem do Tanya, "o assunto é apreendido e envolvido, e revestido pelo intelecto que o entendeu e percebeu." Obviamente, este nível de compreensão não é atingível por meio do aprendizado superficial, mas sim através de intensa concentração e supremo esforço, com o resultado de que a pessoa compreende o assunto clara e completamente. Ao estudar com tamanha concentração, é incapaz de prestar atenção a qualquer outra coisa ao mesmo tempo. Como declara o Tanya: "o intelecto é envelopado dentro do assunto no tempo da compreensão intelectual."

A maneira pela qual o intelecto apreende um assunto, como descrito acima, é realmente verdadeiro para qualquer disciplina intelectual. Uma das razões pelas quais Rabino Shneur Zalman discute este tema a respeito de compreender a Torá é para aludir ao fato de que mesmo uma pessoa que estuda Torá pelos motivos errados, i.e., não pelo mérito da Torá em si, ou pior ainda, estuda a Torá de tal maneira que ela se torna um "elixir da morte", terminará por retornar ao caminho certo. Pois, enquanto a Torá é assimilada dentro dele, "a luminária dentro dela [da Torá] o fará retornar ao caminho certo."

Uma Maravilhosa Unidade

Rabi Shneur Zalman enfatiza a suprema importância de aprender Torá com a compreensão e entendimento adequados, pois além de todos os outros benefícios do aprendizado, aquele que estuda Torá merece atingir "uma unidade maravilhosa" com a qual não há paralelo no âmbito físico – a unidade do intelecto humano com a sabedoria de D’us.

A unidade é conseguida quando se estuda qualquer um dos ramos do conhecimento de Torá. Isso é verdadeiro mesmo quando uma pessoa se ocupa em solucionar um problema envolvendo o mundo material, tal como uma lei em Choshen Mishpat , a seção do Shulchan Aruch que trata de assuntos e disputas financeiras, e de conflitos entre vizinhos, etc. Quando ele entende claramente a lei, ele "compreende realmente a vontade e sabedoria de D’us".

Simultaneamente, seu intelecto é também revestido da Divina vontade e sabedoria contidas na Torá. Os dois aspectos da unidade – envolver e ser envolvido – formam a "maravilhosa unidade; no mundo físico não há unidade similar ou paralela a esta, e eles realmente se tornarão um e unidos de cada ângulo e lado."

A Filosofia Chassídica explica que ao aprender Torá, além do fato de que a pessoa estuda a vontade e sabedoria de D’us, também atrai sobre si a luz Divina. Esta Divina luz tem dois aspectos: a luz que é atraída para baixo, e é absorvida pela pessoa que estuda Torá; e um nível mais elevado de luz que transcende o intelecto humano, e que não pode ser absorvida internamente. Ao contrário, ela envelopa e envolve a alma. Assim, quando uma pessoa estuda Torá, e entende completamente o tópico estudado, seu intelecto envelopa e contém dentro de si a sabedoria de D’us (o primeiro aspecto da Divina luz). Ao mesmo tempo, seu intelecto é envelopado, e contido na sabedoria e vontade de D’us (o segundo aspecto da Divina luz).

Assim, ao aprender a Torá por inteiro, e entendê-la com perfeita clareza, o aluno se funde e se une com toda a vontade e sabedoria de D’us, não apenas com o assunto específico de Torá que ele estudou. O aspecto da Divina luz que pode ser entendido penetra sua própria essência, e o aspecto da Divina luz que transcende o entendimento humano reveste e envolve seu intelecto. Desta maneira, uma maravilhosa unidade é conseguida – o estudante de Torá une-se com a sabedoria de D’us para que "tornem-se realmente um e unidos de cada lado e ângulo."

A Superioridade dessa Unidade

A fim de entender mais claramente como é sublime esta unidade do intelecto humano com a sabedoria e vontade de D’us, citaremos explicações adicionais extraídas dos ensinamentos chassídicos de Chabad:

Quando uma pessoa se ocupa com o estudo de Torá, e se concentra em entender a verdadeira explicação do assunto em pauta, ela se une com a sabedoria e vontade de D’us de um modo muito intenso. Dessa maneira sua alma é elevada, pois está ligada e se funde na sabedoria de D’us.

"Israel está ligado à Torá": Quando o intelecto do homem compreende e contém a sabedoria de D’us, e ao mesmo tempo seu intelecto está envolvido pela sabedoria de D’us, um laço poderoso ata o estudante a D’us. Isso é análogo a um nó duplo – um nó sobre o outro, representando a dupla unidade dele com D’us, e de D’us com ele, através da Torá. Este tipo de nó jamais se desfaz.

Quando a sabedoria de D’us é absorvida em seu intelecto e entendimento, ele se une com a palavra de D’us. Então todo seu ser e sua existência inteira são transformados na realidade da Torá. Até este ponto ele se envolveu na Torá de D’us. A partir desse ponto, quando ele se une totalmente com a sabedoria de D’us, a Torá é atribuída a ele e é chamada por seu nome: "e ele pondera sua Torá dia e noite."

Quando uma pessoa atinge este nível de estudo de Torá, torna-se um rei, como declaram Nossos Sábios: "Quem são os reis? Os Rabinos [estudantes de Torá.]" Além disso, o erudito governa sobre toda a Criação, como explicam Nossos Sábios sobre o versículo: "D’us cumpre [Sua promessa] para mim": A Corte Rabínica tem o poder e autoridade de mudar a natureza e a existência física quando estabelece os meses de acordo com sua visão da lua nova e segundo as leis a respeito do ano embolísmico

Parte 21 – Sabedoria ou Inteligência?

Os vinte e quatro livros do Tanach (Torá, Nevi'im e Ketuvim), abrangendo os cinco livros de Moshê e todas as obras proféticas, toda a Torá Oral compreendendo as seis ordens da Mishná e as leis que derivam da Mishná e Guemará, como descritas no Shulchan Aruch, bem como os ensinamentos esotéricos da Torá encontrados na Cabalá e Chassidut, todos possuem um denominador comum. Todos são expressões da sabedoria de D’us e estão impregnados de santidade.

Quando um judeu lê os eventos descritos no Tanach, não está simplesmente revisando fatos históricos. Ele se envolve em santidade. E quem estuda uma seção do Talmud, e compreende o veredicto como halachá estabelecido na Mishná ou Guemará ou nos códigos haláchicos, assimila e absorve a Vontade Celestial. Isso é verdadeiro mesmo se a passagem específica que ele estudou trata de argumentos e alegações esclarecedores extremamente raros ou abstratos, que jamais foram levados à discussão no passado, e talvez jamais sejam discutidos no futuro. Mesmo assim, seu intelecto está revestido na sabedoria de D’us, e ele experimenta a maravilhosa unidade de sua alma com a Divindade.

Sabedoria não mundana

A sabedoria da Torá é muito diferente da sabedoria humana. Qualquer idéia ou teoria apresentada a nós por um cientista pode ser empiricamente testada. Se passa no teste, diremos que a idéia está correta ou que a teoria é sólida, pois segundo o entendimento humano os fatos empíricos provam (ou desmentem) a teoria.

No entanto, naquilo que diz respeito à Torá, ocorre o oposto. A Torá é verdadeira em si mesma e não precisa evidência empírica para atestá-la. Pelo contrário, a Torá define a existência, como declara o Zohar sobre a criação do mundo: "O Eterno, Bendito seja, olhou na Torá e criou o mundo, e quando o homem se ocupa com a Torá ele sustém o mundo!" Assim a Torá de D’us cria a existência, confere-a e a sustém. Quando uma pessoa estuda halachá, i.e., qual seria a decisão prática em determinado caso, mesmo se o caso é completamente teórico, o valor do aprendizado não é afetado por sua falta de aplicação prática no presente. Pois ele compreende a verdade eterna e se une à Divina luz.

A Divina Luz e a Sabedoria Mundana

Para entender este assunto de forma adequada, devemos esclarecer a diferença essencial entre a sabedoria da Torá e a sabedoria humana convencional. Como : "Tu criaste tudo com sabedoria", por que não deveríamos dizer que toda a sabedoria, incluindo a sabedoria humana convencional, é extraída da sabedoria de D’us? Podemos portanto concluir que ao estudar a sabedoria convencional, o aluno se conecta ao Criador? O Tsêmach Tsêdek, o terceiro Lubavitcher Rebe, de abençoada memória, explica em sua obra Torah Or que há uma vasta diferença entre a Sabedoria Divina e a sabedoria convencional. A diferença é evidente tanto na fonte quanto na origem desses dois tipos de sabedoria, e pela maneira em que elas nos são reveladas. A Torá que foi outorgada a nós no Monte Sinai tem sua fonte na sabedoria de D’us como manifestada no mundo de Atzilut, o mais elevado dos mundos espirituais. Outros tipos de sabedoria têm sua fonte no nível mais baixo do mundo inferior, em malchut de Assiyá.

A explicação do Tsêmach Tsêdek continua em palavras simples: Sabedoria natural ou convencional é comparável aos dejetos humanos. Embora alguns desses produtos tenham origem na cabeça, como o muco nasal, nenhuma conexão pode ser encontrada com a cabeça ou com o cérebro. Assim também ocorre com a sabedoria convencional relativa ao intelecto humano – embora ele em última análise derive de Sua bendita sabedoria, a conexão entre elas é indiscernível. Ou seja, a Luz Infinita não ilumina estes outros tipos de sabedoria; aquilo que é revelado, em vez disso, é simplesmente a inteligência humana. Em contraste, a Divina Santidade reside na Torá que foi outorgada a Israel. E mesmo após descer para ser envolvida em objetos materiais deste mundo, ela permanece exatamente como é no alto.

Além disso, mesmo onde a visão mundana a respeito de determinados assuntos reflete a opinião da Torá sobre os mesmos, há uma importante diferença entre eles. Há uma diferença entre aprender halachá das decisões do Shulchan Aruch e das autoridades haláchicas, e aprender o mesmo ato prático de outras fontes. Pois quando uma pessoa aprende de fontes 'alienígenas' é a inteligência humana que penetra seu intelecto. Em contraste, quando a pessoa se ocupa com a sabedoria da Torá de D’us, além de ampliar seu intelecto e entendimento, assimila a vontade e a sabedoria de D’us, e seu intelecto é envolvido por elas. E mais importante de tudo, ele merece atingir "uma unidade maravilhosa" com a eterna verdade, para a qual não existe paralelo.

Parte 22 – Atraindo a Luz Divina

Estudar Torá não somente é uma expressão de interesse nas Escrituras, e cumprir mitsvot não é simplesmente um ato simbólico e cerimonial. Dentre seus muitos benefícios está o poder singular que dá a um judeu de atrair Or Ein Sof, a Infinita Luz Divina, à sua alma e ao mundo, quando ele estuda Torá e cumpre mitsvot, como explicam os ensinamentos chsssídicos.

Há muitos e variados níveis nesta Divina Luz. O nível de luz que é atraído por meio do estudo de Torá é diferente do nível de luz que é atraído por meio do cumprimento de mitsvot. E mesmo na categoria de mitsvot, cada mitsvá específica tem sua própria característica, e atrai um único nível e aspecto de luz.

No capítulo cinco do Tanya aprendemos sobre a "distintiva, infinitamente grande e maravilhosa superioridade da mitsvá de saber e conhecer a Torá, acima de todas as mitsvot envolvendo ação, e até sobre aquelas cumpridas por meio da fala." A razão para isso é que quando uma pessoa estuda Torá, "além do intelecto estar sendo envolvido pela sabedoria Divina, [para que a Sabedoria Divina envolva sua alma] a sabedoria Divina também está dentro dele, portanto ele a envolve." Em contraste, cumprir todas as outras mitsvot traz somente um desses dois aspectos – o Eterno, bendito seja, apenas envolve a alma, e a Luz Infinita apenas a envolve a partir de sua cabeça (i.e., os níveis mais elevados das almas) a seu pé (seus níveis mais baixos).

Comida e Roupa

Em vários locais, tanto nas Escrituras quanto nos textos rabínicos, encontramos a Torá comparada ao pão. Esta comparação não é simplesmente uma analogia ou retórica, como poderia sugerir uma leitura simplista dessas declarações. Ao contrário, esta metáfora caracteriza a essência da Torá.

Alimento e roupa são ambos benéficos ao homem, embora obviamente de modos diferentes. Enquanto a comida permeie a pessoa por dentro, infundindo-lhe força vital, a roupa afeta a pessoa de maneira externa, sendo colocada em torno dela. Similarmente, a luz Divina envelopa a alma que cumpre mitsvot e estuda Torá, assim como uma roupa veste a pessoa, ao passo que a santidade da Torá que penetra a mente de uma pessoa e é assimilada em sua compreensão é "alimento" para a alma. A partir daí, podemos concluir que o cumprimento de mitsvot tem uma fantástica qualidade, ao passo que a compreensão da Torá tem duas. É por este motivo que Nossos Sábios declaram: "O estudo de Torá é igual a todas as outras mitsvot juntas", pois as mitsvot são apenas "vestes", ao passo que a Torá é tanto "alimento": quanto "roupa" para a alma intelectual.

Estes "alimento" e "roupa" espirituais servem a alma tanto neste mundo quanto no Mundo Vindouro – mas como eles são revelados para a alma depende do serviço Divino do homem neste mundo. Através da Torá que um judeu aprende em seu mundo a sua alma no Gan Eden merece a revelação de or pnimi, uma habitação, permeando luz que é absorvida e revelada na faculdade de compreensão da alma, análoga à maneira pela qual a comida é absorvida pelo corpo. E através do cumprimento das mitvsot nesse mundo, sua alma merece no Mundo Vindouro uma revelação de or makif, uma luz envolvente que transcende o recipiente, análoga à maneira que a roupa envolve o corpo.

Alimento Espiritual

A Torá, que unida a um homem é chamada "o pão e alimento da alma" por causa do efeito de compreender a Torá na alma, e a maneira que é absorvida na alma, é comparável à maneira pela qual o pão sustenta o corpo, como explicado acima. Ora, o princípio idêntico que se aplica ao pão físico – que nutre o corpo somente depois que a pessoa o digeriu e ele tornou-se parte de seu sangue e carne – também aplica-se à Torá. Somente alguém que "a estuda bem, com a concentração de seu intelecto, até o ponto onde a Torá é assimilada por sua mente e se junta a ele para que se tornem um" – somente numa pessoa assim a Torá torna-se alimento para a alma, e "vida interior para ela, vinda da Fonte da vida…"

Os ensinamentos chassídicos explicam ainda que o efeito positivo do pão no corpo humano pode ser sentido apenas se o pão está adequadamente assado, pois se esta condição não for satisfeita o pão pode causar danos ao sistema digestivo e à saúde em geral da pessoa. E assim também ocorre com o pão espiritual – a pessoa deve aprender como "assar" e "digerir" corretamente a Torá.

Uma pessoa deveria estudar Torá pelo seu próprio mérito, com a intenção de unir sua alma a D’us por meio do entendimento da Torá. Isso pode ser conseguido somente se seu estudo é com "fogo" – ou seja, quando seu estudo de Torá está imbuído com amor e reverência a D’us. Se esta condição não for preenchida, o "alimento" espiritual que a pessoa ingere pode prejudicá-la e fazê-la afastar-se do bom caminho, levando-a para a conduta oposta àquela que a Torá espera.

Os Alicerces da Chassidut

Como foi explicado, o ideal do estudo de Torá é aprender Torá pelo seu próprio mérito – com a intenção de unir sua alma a D’us por meio do entendimento da Torá, cada qual segundo sua capacidade. Uma pessoa pode atingir este nível de aprendizado somente despertando amor e reverência a D’us em seu coração.

Uma das histórias relatadas referente aos eventos na época da conhecida controvérsia entre os chassidim e seus oponentes, servirá para ilustrar este ponto. Depois que o Alter Rebe, o autor do Tanya, foi libertado da infame prisão de Petersburgo onde fora encarcerado sob falsas acusações, ele viajou para encontrar diversas figuras rabínicas importantes, que tinham expressado sua oposição aos Chassidim e à Chassidut, a fim de testá-los e ser testado por eles. Dentre esses rabinos estava uma destacada personalidade, Rabi Yehoshua Tzeitlin. Este apresentou várias questões profundas e complicadas ao Alter Rebe, e todas foram respondidas de maneira exata e completa. Uma dessas perguntas era com que base o autor do Tanya declarava que a pessoa deveria aprender Torá com amor e reverência. "Há uma declaração explícita no Zohar" – replicou Rabi Shneur Zalman – "que afirma que Torá sem amor e temor não pode ascender ao Alto."

"Tomamos decisões legais baseados na Guemará, não no Zohar" – respondeu seu oponente. "Isso está declarado na Guemará, também" – disse Rabi Shneur Zalman. "No tratado Pessachim o sábio Ravva destaca uma aparente contradição entre dois versículos. Em um lugar está escrito: 'Sua bondade é grande nos Céus'; e em outro local está escrito: "Sua bondade é grande além dos Céus.' Qual a solução desta aparente contradição? O segundo versículo refere-se àqueles que aprendem Torá por seu próprio mérito, ao passo que o primeiro refere-se àqueles que estudam Torá não pelo seu próprio mérito." (Esta explicação pode ser encontrada na obra Biur HaRaNaG).

Sem Errar

Durante Purim do ano 5663, quando Rebe Shalom Dov-Ber Shneersohn (que seu nome seja uma bênção), o quinto Lubavitcher Rebe, estava em Viena, na Áustria, ele disse o seguinte: "Quando uma pessoa estuda Torá pelo seu próprio mérito se une com a Torá a tal ponto que eles se tornam um!" Seu modo de falar é aquele da Torá, e seu intelecto é a sabedoria da Torá. O Gaon de Lublin, Rabi Shneur Zalman (o autor de Torat Chesed, para não ser confundido com Rabi Shneur Zalman, o autor do Tanya) contou-me que quando foi a Lubavitch para ver o Rebe, o Tsêmach Tsêdech (neto do autor do Tanya) no ano 5614, levou consigo um complexo debate que tinha preparado sobre um tópico difícil da Torá, como era seu hábito quando visitava o Rebe. O debate continha diversos pontos de vista novos.

Ao chegar em Lubavitch, o Gaon de Lublin revisou com satisfação seu debate, sabendo que agradaria a seu Rebe, o Tsêmach Tsêdech. '"Quando entrei na presença do Rebe" – relembra o Gaon – "começamos a discutir diversos assuntos de Torá, e apresentei ao Rebe as questões nas quais meu debate se baseava. O Rebe sorriu, e pediu-me para apresentar minha análise, e os novos pontos de vista que eu tinha preparado. Fiquei encantado ao notar que o Rebe ouvia atentamente as minhas palavras.

"Depois, o Rebe me disse: ‘Esta é uma bela peça de aprendizado, com excelentes argumentos lógicos. No entanto, o ponto principal está faltando. O alicerce sobre o qual você baseia todo seu argumento é incorreto. Na verdade, há uma mishná explícita que contradiz sua teoria!’

"Fiquei chocado e desalentado, e perguntei ao Rebe em qual ordem da mishná isso poderia ser encontrado." ‘Kodashim’ – replicou ele. Ponderei toda a ordem por algum tempo, mas minha busca foi infrutífera. "Rebe" – indaguei – não consigo encontrar meu erro. O Rebe poderia, por favor, dizer-me em qual tratado a mishná pode ser encontrada?" "Em Bechorot" – foi a resposta. Revisei rapidamente todo o tratado de cor, mas novamente não pude encontrar qualquer mishná que contradissesse minha posição. "Rebe" – disse eu – "não consigo encontrá-la."

‘Quando o Rebe recitou a mishná e começou a explicá-la, percebi o meu erro. Somente então eu entendi'"– concluiu o Gaon de Lublin – "o que significa estudar Torá por seu próprio mérito! Alguém cuja essência está unida com a Torá, de forma que se tornem completamente um, não pode errar e dizer o que não está escrito!'" (De Likutei Diburim pág. 577).



Parte 23 – Opostos

Umas das qualidades definitivas de um judeu é o fato de que duas almas residem e funcionam dentro dele. São a alma Divina e a alma animalesca. A alma animalesca é uma parte inseparável da categoria geral de coisas que não estão incluídas no âmbito da santidade. É conhecida como a sitra achra, o "outro lado", ou o oposto da santidade.

"O Todo Poderoso criou uma coisa oposta à outra" - declara o versículo em Cohêlet. Isso é verdadeiro sobre o macrocosmo, e também sobre o microcosmo. Os poderes da impureza não somente se equivalem ao reino da santidade, eles também se opõem a ele de tal maneira que sua presença é sentida como uma força negativa. A razão para isso é que o homem, com seu livre arbítrio consciente, tem a oportunidade de sobrepujar o mal. Assim a recompensa pela conduta espiritual correta, e por cumprir a missão da descida da alma a este mundo pode ser ganha, ou pode-se incorrer em castigo por não fazê-lo. Na terminologia chassídica este serviço é chamado de avodát habeirurim, literalmente a tarefa de peneirar ou refinar, ou seja, localizar e extrair as centelhas de santidade que jazem escondidas no universo como resultado do processo de criação, e elevando-as até sua Fonte pelo uso adequado do mundo material. Assim o mundo termina por se aperfeiçoar, e pode funcionar como uma "morada" para a Divina Presença.

As Coroas de Impureza

A alma animalesca possui dez faculdades, correspondendo às dez faculdades da alma Divina. Assim como na alma Divina, as faculdades da alma animalesca estão divididas em duas categorias - as faculdades intelectuais e os atributos emocionais. Além disso, a alma animalesca também se reveste nas três "roupas" de pensamento, fala e ação, assim como faz a alma Divina. Estas faculdades e vestes da alma animalesca são a antítese da santidade, e se opõem ativamente a ela.

Ora, enquanto que as dez faculdades da alma Divina são chamadas sefirot (derivando da palavra sapir, uma pedra preciosa luminescente, a safira), as dez faculdades da alma animalesca são denominadas "as dez coroas de impureza", porque são repugnantes, sujas e profanadas.Além disso, em contraste com as faculdades da alma Divina, onde cada faculdade incorpora todas as outras, e cada qual complementa a outra, cada um dos poderes da impureza pertencendo à alma animalesca age autônoma e independentemente, como um reino em si mesma.

Enquanto estamos no assunto da natureza dessas duas almas, deveria ser destacado que as faculdades intelectuais e emocionais são expressas diferentemente em cada uma dessas almas. A alma Divina é essencialmente intelectual, e portanto é manifesta no cérebro, a base do intelecto humano. E as qualidades emocionais da alma Divina são racionais, equilibradas. Em contraste, a alma animalesca é essencialmente emocional, e portanto é manifestada no coração, base das emoções e paixões, e suas faculdades são naturalmente espontâneas, irracionais e apaixonadas.

Na alma Divina, o intelecto dá origem às emoções. Sem meditar sobre algum sagrado conceito Divino as emoções não podem ser despertadas. Uma pessoa não pode atingir o amor e reverência a D'us sem a adequada meditação sobre a grandeza de d'Ele.

Os atributos emocionais da alma animalesca, no entanto, como o desejo natural pelos prazeres físicos, existem como faculdades daquela alma mesmo sem meditação intelectual anterior. Isso não implica que não haja conexão alguma entre as emoções e o intelecto da alma animalesca. Ao contrário, o que se pretende afirmar é que o intelecto não desperta as emoções na alma animalesca. Mesmo assim, o intelecto pode guiar e dirigir a expressão das emoções da alma animalesca. Além disso, embora estas emoções não sejam originadas no intelecto, mesmo assim "são proporcionais com a qualidade do intelecto da pessoa", ou seja, elas se desenvolvem e amadurecem segundo a maturidade intelectual da pessoa. Portanto, "uma criança deseja e gosta de coisas insignificantes de pequeno valor, pois seu intelecto é imaturo para apreciar coisas mais valiosas", ao passo que itens mais sérios e valiosos interessam a um adulto.

A Destruição da Santidade

O sexto capítulo do Tanya nos revela uma nova perspectiva sobre assuntos relacionados à santidade e ao profano. Na categoria de "vestes impuras" estão incluídos não somente as más ações que transgridem os preceitos da Torá (como alguém poderia pensar), mas também ações cujo único defeito é que não estão na categoria de santidade. Nas palavras de Cohêlet, segundo a interpretação do Zohar: "Eu percebi que todas as ações sob o sol, todas elas, são vaidade e a ruína do espírito."

Podemos portanto concluir que num sentido geral, as "vestes" do homem podem existir em um de dois planos - ou no reino da santidade, ou no reino da profanidade. No exato momento em que a pessoa começa a envolver-se em assuntos que estão desconectados com o âmbito da santidade, ela encontra-se no "outro lado". Pois o pensamento, fala e ação que pertencem ao "outro lado" da santidade são vaidade e a ruína do espírito - destróem o espírito de santidade, e o impedem de abrir caminho até a pessoa e de ser absorvido por ela.

Este fato pode se manifestar de muitas maneiras. Mesmo alguém que se ocupa com Torá pode não ser merecedor de absorver a santidade que habita dentro dela. Ele poderia até ser um benoni como é definido pelo Tanya (i.e., alguém que jamais pecou, e jamais pecará), mas quando faz uma prece, o amor a D'us não permeia seu coração - ele sofre de timtum halev, um embotamento do coração. E a razão para isso é que em alguma ocasião no passado ele fez ou pensou coisas que não faziam parte do reino da santidade, coisas que são "vaidade e ruína do espírito", e impedem a santidade Divina de permear seu ser, embora não sejam realmente transgressões.



Parte 24 – Inclusão na Santidade

No sexto capítulo do Tanya Rabi Shneur Zalman enfoca um conceito discutido na Cabalá e Chassidut – de que tudo na criação está dividido em duas categorias, o "lado da santidade" e o "outro lado". Estas duas categorias são opostos equivalentes tão intimamente alinhados um em oposição ao outro que entre eles não há uma zona cinzenta. Assim, tudo aquilo que não esteja incluído no âmbito da santidade naturalmente está no âmbito oposto – "do outro lado". Não há um estado intermediário. O que caracteriza o lado da santidade, e quais qualidades (ou ausência delas) são exigidas para que qualquer ser criado seja incluído nessa categoria?

Rabi Shneur Zalman responde estas perguntas de maneira bem simples: Somente aquelas criaturas que demonstram "a morada e extensão da santidade de D’us" estão incluídas nessa categoria. E não faz diferença se esta santidade é atraída para a criatura, permeando-a, ou se simplesmente paira acima dela, iluminando-a a partir do alto, no aspecto de makif, transcendendo o ser que ele envolve sem ser revelado de uma maneira interior.

Modéstia Absoluta

Em todos os aspectos da vida é um fato aceito que a absorção eficaz de qualquer substância exige o material absorvente adequado, ou um recipiente. Isso aplica-se também a assuntos espirituais. O intelecto, por exemplo, é o recipiente adequado para absorver o conhecimento, e quanto mais a pessoa se aprofunda em qualquer campo do conhecimento, mais intelecto será exigido para entender o assunto.

Qual é o "recipiente" apropriado para acomodar ou absorver santidade? O autor do Tanya explica que o único recipiente apropriado para a revelação interior da Divina Presença é a absoluta modéstia, a submissão total a D’us, pois "D’us habita somente naquilo que se rende a Ele." Um aforismo de Nossos Sábios expressa perfeitamente esta idéia: "Um recipiente vazio pode conter, um vaso repleto não."

Um exemplo servirá para ilustrar melhor essa idéia: Um aluno que deseja absorver por completo a abundante riqueza da sabedoria que seu mestre passa a ele deve renunciar completamente a seu próprio conhecimento e entendimento do assunto que deseja aprender. Similarmente, alguém que deseja ser merecedor da revelação interior da Divina Presença deve colocar-se num estado de total rendição e submissão ao Criador – pois esse é o único "recipiente" que pode conter a revelação da Shechiná.

A verdadeira submissão e rendição é um atributo dos anjos que habitam os reinos superiores. Assim como um peixe no mar sente que a água que o cerca é sua própria fonte de vida, e sem ela ele deixaria de viver, portanto não deseja deixar o oceano e ir para a terra seca, assim também os anjos estão conscientes da Divina Luz (o Or Ein Sof)) que os cria e sustém. E portanto, todo seu ser vive num estado de total e constante submissão ativa ao Criador.

Quando ao judeu aqui neste mundo, mesmo quando ele não sente uma verdadeira submissão consciente a D’us em suas faculdades e poderes revelados, mesmo assim ele está sempre num estado de potencial rendição. Ele tem a duradoura capacidade "para render-se completamente perante D’us, através do martírio pela santificação do nome de D’us."

O Repouso da Divina Presença

Rabi Shneur Zalman cita duas declarações de Nossos Sábios, baseadas no princípio de que todo judeu tem o "recipiente" adequado para atrair a Shechiná. A primeira refere-se a um indivíduo: "Mesmo que uma única pessoa se sente e comece a estudar Torá, a Divina Presença paira sobre ele." A segunda declaração refere-se a qualquer grupo de dez homens judeus: "Em cada grupo de dez judeus paira a Divina Presença", sempre.

Há vários níveis e aspectos do repouso da Shechiná. Quando qualquer judeu se senta e se ocupa com Torá, merece o cumprimento do versículo: "E Eu habitarei no meio deles." Embora esse contexto do versículo implique que a Divina Presença habita no Templo, o significado literal das palavras "no meio deles", em vez de "nele", sugere que a Presença Divina repousa neles, "em todo e cada judeu". Mesmo assim, este nível de Shechiná relaciona-se com o indivíduo, ou seja, à centelha de Divindade dentro de sua própria alma. No entanto, o nível de Shechiná que paira sobre um minyan é muito mais elevado, pois está associado com todo o povo judeu.

"Em cada grupo de dez judeus repousa a Divina Presença" – quando dez judeus estão reunidos em um local, mesmo que não estejam ocupados com o estudo de Torá, ou qualquer outro assunto sagrado, a Divina Presença paira. Evidentemente, se eles utilizam a oportunidade para assuntos celestiais e decisões positivas, a Shechiná será revelada de maneira muito mais poderosa. É supérfluo destacar que se o grupo for um "ajuntamento de gaiatos", não haverá maior insulto à Divina Presença, D’us não o permita.

Por outro lado, é importante enfatizar que a Divina Presença mesmo assim repousa sobre uma reunião de pessoas perversas (cujos pecados "criam uma barreira entre eles e D’us") quando eles rezam num minyan, como é explicado na Chassidut. Além disso, este é o nível da Shechiná que está associado com todo o povo judeu. Tal nível de Shechiná não é revelado a nenhum indivíduo, mesmo que ele seja perfeitamente justo, um tsadic gamur.



Parte 25 – Quando a Auto-Anulação É Ausente

O Midrash declara que o Eterno, bendito seja, diz: "Não posso habitar junto com uma pessoa grosseira e arrogante!"

Explicando essa idéia, a chassidut Chabad ensina que aquele se enche de orgulho arrogante e egoísmo, mesmo que seja no menor grau, perde o privilégio da Shechiná pairando sobre ele. Esta idéia é magistralmente expressa no aforismo de Nossos Sábios: "Um recipiente vazio pode conter, um recipiente repleto não." Aquele que sente modéstia e submissão a seu Criador, e não tem egoísmo e vaidade, é um recipiente vazio que pode conter a revelação da santidade. Caso contrário – se ele é perverso e egoísta – pode estar saturado de estudo de Torá, mas não absorverá sua santidade. Similarmente, quando pega um lulav e etrog na mão em Sucot, ou quando coloca tefilin, pode desempenhar perfeitamente a parte técnica da mitsvá, mas não merece que a Shechiná habite nele.

Vitalidade da Parte Posterior

No sexto capítulo do Tanya Rabi Shneur Zalman explica que tudo que não se rende a D’us, mas se considera como uma coisa separada em si mesmo, não somente não é um recipiente para atrair e conter a santidade de D’us, mas mais ainda, a vitalidade que recebe não é da mesma fonte que aquelas criaturas que estão incluídas na categoria de santidade.

"E Tu animas todas as coisas", declara o versículo que repetimos em nossas preces matinais diárias. O Eterno, bendito seja, dá vida a todas as criaturas, portanto todo e cada ser, seja do reino inanimado, vegetal, animal ou do reino humano, contém uma centelha de Divindade que continuamente o leva a existir a partir do nada. (Esta doutrina é explicada por completo na segunda seção do Tanya, chamada "O Portal da Unidade e da Fé"). No entanto, embora aquelas criaturas incluídas na categoria de santidade recebam sua vitalidade "da santidade de D’us", do aspecto interior da santidade, de sua própria essência e âmago" – as criaturas incluídas na categoria de "o outro lado", que não têm modéstia e não se submetem a D’us, recebem sua vitalidade somente de sua "parte posterior", por assim dizer.

A efusão de vitalidade vinda da "face" e aspecto interior da santidade é comparável a dar um presente a um querido amigo. O doador oferece seu presente com prazer e com o semblante feliz. Ao contrário, a transferência de vitalidade da "parte posterior" é comparável a ser forçado a fazer uma doação. Embora o recebedor ganhe sua porção, é como se esta tivesse sido atirada a ele por sobre o ombro do doador, que lhe volta as costas.

Em geral, o "outro lado", que é repugnante e abominável a D’us, existe apenas pelo propósito de prover o homem com o livre arbítrio. Não tem propósito em si, e portanto toda sua vitalidade é conferida a ele do aspecto vindo da "parte posterior". Esta força de vida é severamente limitada e restrita: é suficiente apenas para dar-lhe existência.

Vida no Exílio

Além do fato de que o "outro lado" é animado pela parte posterior, Rabi Shneur Zalman explica que a vitalidade que anima aquelas coisas na categoria do "outro lado" desce grau a grau, por miríades de níveis.

Esta descida é chamada na Cabalá como hishtalshelut dos mundos, significando uma descida em cadeia dos mundos numa seqüência de causa e efeito, através de muitos tzimtzumim, ou contrações que diminuem a luz data por D’us e a vitalidade, para tornar-se envolvida nos objetos do domínio do "outro lado". Esta vitalidade torna-se tão diminuída e reduzida que apenas tem poder suficiente para manter estes objetos em existência e funcionando.

Quando uma pessoa está no exílio é incapaz de agir de acordo com sua própria vontade, e incapaz de expressar livremente seus talentos e poderes, pois está na obrigação de cumprir a vontade daquele que o governa. Este é também o caso com a vitalidade Divina aprisionada no "outro lado". Embora as criaturas deste domínio sejam também animadas por uma centelha Divina de força de vida, isso não as impede de anunciar: "Não há julgamento, nem há um Juiz." Além disso, eles usaram erradamente a própria vitalidade pela qual eles subsistem a fim de enfurecer seu Criador. É possível para eles fazê-lo, somente porque esta vitalidade se encontra num estado de exílio e banimento.



Parte 26 – O Mundo das Kelipot

O Em sua visão da carruagem Divina (Merkavá) o profeta Yechezkel previu o banimento do povo judeu, a escuridão do exílio e a destruição do Templo Sagrado. Em sua profecia, ele declara: "Então eu olhei, e vejam! Uma tempestade de vento estava vindo do norte, uma grande nuvem, e um fogo ardente, e um brilho reluzente (nogá) circundando-a." A literatura cabalista explica que as quatro expressões gráficas no versículo descrevem as forças espirituais (kelipot, literalmente, "cascas" ou "conchas") que prevalecem no mundo, ocultando a Divindade.

É uma prática aceita na Cabalá referir-se às primeiras três kelipot como uma só unidade. E embora existam diferenças claras entre elas, e cada uma seja um nível diferente de mal (quanto mais longe de nogá, mais profundamente enraizado e mais poderoso é o mal dentro dela), mesmo assim, de modo geral, estão na mesma categoria. Estas são as "três kelipot completamente impuras e do mal", não contendo nenhum bem". Assim, exceto pela "centelha de Divindade" que as anima, e da qual elas estão totalmente alheias, são inteiramente do mal.

A quarta kelipá, chamada noga, é essencialmente diferente das outras três, pois dentro dessa kelipa reluz um raio de santidade. Ora, as proporções de bem e mal que compreendem noga variam nos diferentes mundos espirituais, Atzilut, Beriá, Yetzirá, Assiyá. Apesar disso, mesmo neste mundo inferior, "chamado mundo de Assiyá, embora seja quase todo de mal, existe um pouco de bem mesclado dentro dele."

A Fonte de Vitalidade

No sexto e sétimo capítulos do Tanya, Rabi Shneur Zalman diferencia aquelas coisas que recebem sua força de vida das três kelipot completamente más e aquelas que recebem sua vitalidade da quarta kelipá, noga. Na primeira categoria estão as almas de todas as criaturas vivas que são impuras e proibidas de ser comidas, e a força de sustento de seus corpos. A existência e vida de toda a vegetação proibida, também, assim como orlá [o fruto produzido durante os três primeiros anos de vida de uma árvore], e uma mistura de sementes de cereal numa vinha." Na segunda categoria estão "a vitalizante alma animalesca no judeu… que se reveste no sangue humano… e as almas dos animais, feras, pássaros e peixes puros [segundo as leis da Torá] e são [assim] permitidos para consumo [pelos judeus], como também a existência e vitalidade de tudo no mundo inanimado e no mundo vegetal que é permitido para consumo."

Além da vitalidade daquelas criaturas acima mencionadas, cuja força de vida é implantada nelas desde o início de sua criação, o Tanya também discute um aspecto adicional da vitalidade que é extraído das kelipot segundo o serviço do homem e suas ações. Quando um judeu ativa uma das "vestes" de sua alma, seu pensamento, fala ou ação ao violar uma das 365 proibições negativas, suas ações são nutridas pelas kelipot impuras. E quando ele ocupa os poderes de sua alma com assuntos mundanos que não são proibidos, mas mesmo assim não são pelo mérito dos Céus, a vitalidade de seu pensamento, fala e ação derivam de kelipá noga.

Uma mistura de bem e mal

Kelipá noga contém tanto o bem quanto o mal, sendo considerada uma categoria intermediária entre as três kelipot impuras e a categoria de santidade. Embora as três kelipot impuras não contenham qualquer bem, o âmbito da santidade não contém mal algum. Assim, kelipá noga está conectada tanto à santidade quanto à kelipá. Seu status é flexível e pode ser elevado ao nível da santidade, ou pode despencar até as kelipot impuras.

A Chassidut explica que como kelipá noga encerra tanto o bem quanto o mal, pode afetar uma pessoa em ambas as direções. Por exemplo, quando alguém come alimentos permitidos, mesmo que sejam sancionados pela melhor supervisão rabínica, do aspecto do mal dentro deles uma pessoa pode chegar à posição de "yeshurun engordou e ficou rebelde", onde seu corpo se torna maciço e grosseiro, e a influência de sua alma é diminuída. De modo contrário, do aspecto do bem dentro do alimento, uma pessoa pode receber energia adicional e vitalidade em seu corpo e na sua alma, as quais pode utilizar para servir a D’us. Portanto, qual aspecto do alimento que ele consome dominará, afetando-o de uma maneira ou de outra, depende de seu próprio comportamento e ações. Se ele come para satisfazer seu apetite físico, a vitalidade contida naquele alimento é degradada e torna-se absorvida nas kelipot, e seu efeito sobre ele será negativo. No entanto, se ele come pelo mérito do Céu, a fim de ampliar sua mente para o serviço de D’us e Sua Torá, etc., então a vitalidade do alimento que ele consome ascende ao âmbito da santidade, e seu efeito sobre ele será positivo.



Parte 27 – O Local de Trabalho do Homem

A Halachá divide todas as coisas desse mundo em três categorias básicas: 1) Assuntos relacionados à santidade com os quais a Torá obriga um judeu a ocupar-se. 2) Aqueles assunto e coisas que a Torá proíbe. 3) Aqueles assuntos e coisas que são permitidos, mas não se enquadram na categoria de mitsvot.

Na opinião da Chassidut todas as coisas permitidas, mas que não estão na categoria de mitsvot, derivam sua força de vida de kelipa noga. Foram permitidas ao homem para que ele pudesse esforçar-se para elevá-las ao utilizar-se delas em seu serviço a D’us. Apesar disso, ele também tem a capacidade de degradar estas coisas e impeli-las ao domínio das kelipot impuras.

Segundo a Halachá, "agir pelo mérito do Céu" aplica-se não somente a assuntos de santidade, como também a assuntos que são simplesmente permitidos, sem estar na categoria de mitsvot. Isso se aplica a todos os aspectos da vida – comer, beber, assuntos de negócios e relacionamentos pessoais e familiares, como explica o Rambam em Hilchot De'ot , capítulo 3. E o motivo para isso, explica Rabi Shneur Zalman no capítulo seis do Tanya, é que o homem tem a capacidade de afetar a vitalidade que flui através desses objetos, pois a força de vida deriva de kelipat noga. Por sua conduta, uma pessoa pode fazer a vitalidade tornar-se degradada e se torna absorvida nas kelipot, se o propósito de suas ações é satisfazer seus desejos. De modo alternativo, ele pode deixar a vitalidade inalterada, se ele age sem qualquer intenção específica. Ou, idealmente, ele pode elevar aquela vitalidade ao nível da santidade, se suas intenções são adequadas.

O processo de separação

É impossível elevar tudo da kelipat noga, que compreende uma mistura de bem e mal. Somente o bem dentro dela pode ser elevado. Com as intenções apropriadas, que é agir pelo mérito do Céu, a separação do bem e do mal é atingida. Este é o primeiro estágio de elevação do bem da kelipat noga. Subseqüentemente, o bem "que tem sido extraído e separado do mal, prevalece [sobre ele], e ascende para ser absorvido em Santidade."

Deve-se destacar que o composto de bem e mal em noga é comparável à mistura de dois líquidos, tornando a tarefa de separá-los muito difícil. Mesmo assim, é possível conseguir esta missão espiritual e santificar até mesmo os objetos e atividades mais comuns e mundanos.

Por exemplo: "Se alguém come carne gorda e bebe vinho temperado", o que geralmente é considerado um luxo desnecessário, mas o faz para "ampliar sua mente para [o serviço de D’us] e por Sua Torá, ou para cumprir o mandamento de desfrutar o Shabat e os Dias Festivos", esta intenção faz com que a vitalidade na comida seja extraída e separada dela. Então esta vitalidade "ascende a D’us como uma oferenda queimada e um sacrifício." Esta comparação a uma oferenda queimada e a um sacrifício não é mero exagero – é o verdadeiro resultado de santificar ações mundanas, como comer e beber, utilizando as intenções apropriadas. E embora beber vinho possa ter tanto conseqüências positivas quanto adversas, o resultado não depende da potência do álcool, nem da quantidade consumida. Ao contrário, o motivo e propósito de seu consumo é o fator essencial.

A degradação dos alimentos permitidos

Obter até mesmo as necessidades mais básicas da vida exige a intenção adequada: o objetivo de uma pessoa deveria ser servir a seu Criador. Se uma pessoa é uma daquelas que "gulosamente comem carne e emborcam vinho para satisfazer seus apetites corporais e alma animalesca", as conseqüências negativas que resultam serão duplas. "A vitalidade da carne e vinho que ele ingeriu é portanto degradada, e absorvida temporariamente no mal das três kelipot impuras." E além disso, o corpo do glutão "torna-se uma veste e um veículo para estes kelipot."

Apesar disso, deve-se notar que o glutão não muda a essência da vitalidade do alimento que devora. Seu desejo pelo prazer físico apenas o degrada. Mas como seu apetite era por carne e vinho casher, e portanto permitidos, sua vitalidade que deriva de noga não é transformada em parte das três kelipot impuras. Ao contrário, é apenas temporariamente profanada, e ali permanece até retornar ao serviço de D’us.

É importante enfatizar que teshuvá, arrependimento e retorno à Torá e ao serviço de D’us, tem muitos aspectos e níveis. No presente contexto, estamos discutindo os princípios básicos de teshuvá e a retificação do pecado. Ao contrário, o serviço de teshuvá a que se refere aqui é aquele processo por meio do qual uma pessoa eleva a vitalidade a partir das kelipot até onde seu desejo pelo prazer o atira. A teshuvá exigida de uma pessoa neste contexto é forçá-la a retornar ao serviço de D’us e à Sua Torá, a ancorar em seu coração o conhecimento que seu único propósito de viver neste mundo é servir a D’us. Também, que todas as atividades nas quais ele está envolvido deveriam ser dirigidas a algum propósito Divino, e ser pelo benefício de seu Divino serviço.



Parte 28 – O Permitido e o Proibido

Como o corpo humano é um recipiente para a alma dentro dele, e a alma age e se expressa através do corpo, a Torá nos proíbe de consumir aqueles tipos de comida e bebida que têm efeitos negativos sobre o corpo. Por exemplo, comer carne e leite juntos naturalmente proporciona uma disposição de crueldade; beber o sangue de animais cultiva tendências animalescas; outros tipos de alimentos proibidos causam embotamento e insensibilidade do coração e da mente. Em termos mais familiares – 'você é aquilo que come.' Esta é a maneira comum de explicar a superioridade da comida e bebida casher.

Nos capítulos sete e oito do Tanya, Rabi Shneur Zalman analisa os efeitos negativos da comida não-casher. O princípio central que o autor elucida nestes capítulos é que a vitalidade contida no alimento casher é essencialmente diferente da vitalidade que anima a comida não-casher.

Proibido significa atado

Do ponto de vista semântico a palavra assur, proibido, significa literalmente "atado" ou "acorrentado", e a palavra muter, permissível, literalmente, significa "desatado" ou "liberado". Além do fato de que comida casher recebe sua vitalidade de kelipat noga, ao passo que comida não-casher recebe sua força de vida de três kelipot completamente impuras, a vitalidade da última é também "acorrentada" firmemente às "forças alheias" – i.e., às kelipot. De forma contrária a vitalidade da comida casher, "desatada" não é "acorrentada" às kelipot, embora possa ter alguma conexão com elas. Esta doutrina tem grande importância no serviço de "extração e elevação das centelhas de santidade" encontradas em todas as coisas, e esta é a missão sagrada de todo judeu.

Um exemplo prático que serve para ilustrar mais claramente esta diferença. Quando uma pessoa ingere comida casher com a intenção adequada, i.e., usa a energia que extrai do alimento para servir a D’us, eleva a vitalidade daquele alimento de seu status original derivando de kelipa noga ao âmbito da santidade. Assim, através da intenção adequada ele provoca uma mudança fundamental na energia residindo dentro daquele alimento. No entanto, se uma pessoa involuntariamente consome alimento que não seja casher, porém sua intenção é servir a D’us com a energia que recebe daquela comida, e ademais isso é de fato o que ele faz – reza e estuda Torá com a energia que adquiriu de sua refeição – mesmo assim, a vitalidade naquela comida não é elevada. A razão para isso é que a obra de elevar as coisas desse mundo ao âmbito da santidade é possível somente com aqueles objetos que derivam sua vitalidade de kelipa noga. Em contraste, aquelas coisas que derivam sua vitalidade das três kelipot impuras, não podem ser elevadas – sua vitalidade permanece atada e acorrentada à "forças estranhas".

Um receptáculo para Santidade

Este assunto precisa de maiores esclarecimentos. Quando uma pessoa fortalece seu corpo ingerindo determinados tipos de comida, e utiliza esta força e energia para servir a D’us, que diferença faz que tipo de alimento ele comeu? Por que o alimento casher pode ser elevado e o não-casher não pode?

Para entender esse ponto, examinemos outro exemplo. Quando uma pessoa pondera sobre algum assunto intelectual e transpõe seus pensamentos para o papel, diríamos que os conceitos que ele ponderou têm o mesmo efeito na mão que escreve como têm no cérebro que pensou neles?

Obviamente não! A mão de fato serve como um instrumento para expressar uma idéia. Porém, nenhuma mudança ocorre na mão em si, como resultado de expressar essa idéia. O motivo para isso é que a mão não é o "receptáculo" adequado para o intelecto, e portanto não é elevada ou alterada de nenhuma forma ao ser usada como um instrumento para expressar idéias. Este não é o caso com o cérebro, que é um "recipiente" para o intelecto. Portanto, quando o cérebro é utilizado para pensar e estudar assuntos intelectuais, é afetado por aqueles assuntos. Torna-se mais refinado, mais astuto, etc., como se evidencia claramente pela experiência diária.

Assim como há uma diferença entre o cérebro e a mão no que tange a assuntos intelectuais, assim também há uma diferença entre aquilo que é permitido e aquilo que é proibido a respeito de sua habilidade de absorver ou conter santidade. A comida casher é não apenas um produto que se tem permissão para comer. É também uma substância que tem o potencial de ser elevada ao âmbito da santidade. De modo contrário, alimentos não-casher não podem ser elevados ao reino da santidade. Eles simplesmente não têm este potencial. E portanto, no que diz respeito aos alimentos, é irrelevante se a pessoa come comida não-casher involuntariamente ou de propósito.

Mesmo com a melhor das intenções, a vitalidade da comida não-casher não pode ser revestida nas palavras da Torá e de prece e ser elevada com elas.



Parte 29 – Um Elevado Nível de Teshuvá

Assim como cura é um termo geral que abarca grande área de problemas físicos e enfermidades e seu tratamento, assim também o conceito de teshuvá – arrependimento, ou retorno ao serviço de D’us – compreende um vasto espectro de problemas e doenças espirituais. "Teshuvá" – declaram Nossos Sábios – "traz cura para o mundo."

A transgressão incorre em muitas conseqüências negativas, espalhadas em muitas áreas diferentes. Toda transgressão constitui uma rebelião contra a autoridade do Criador do universo; o pecador profana seu corpo e sua alma; ele causa uma mancha na raiz da alma acima e nos mundos superiores. Ao cumprir cada mandamento positivo, um fluxo de luz Divina é atraído ao mundo, e se a mitsvá não é cumprida então o mundo fica privado do fluxo da luz Divina que poderia ter sido atraído até ele. Transgredir uma proibição da Torá cria uma barreira entre o pecador e D’us, como protesta o Profeta: "Teus pecados te afastam de D’us!" Além disso, ensinamentos cabalistas explicam que através do pecado uma pessoa adiciona vitalidade às kelipot, e erege uma "cortina de ferro" entre si mesma e D’us. Assim, teshuvá, que retifica todas as distorções e perversões causadas pelo pecado, é um assunto complexo, diverso e extenso.

Purificação Interna

A terceira seção do Tanya, denominada "A Epístola do Arrependimento", é dedicada a uma discussão dos princípios fundamentais de teshuvá. No sétimo capítulo da primeira parte do Tanya, Rabi Shneur Zalman discute um aspecto diferente, muito mais elevado de teshuvá – como teshuvá aplica-se a um benoni. Neste sentido teshuvá não é arrependimento por transgressão, pois um benoni não tem qualquer conexão com o pecado no presente. Alguém que no passado teve um deslize e consumiu alimentos proibidos e se arrepende sinceramente – a tal ponto que não resta nenhuma impressão de seu pecado – mesmo assim se confronta com um problema. Como consumiu comida não-casher, absorveu energia e vitalidade que permanece ligada e acorrentada a forças alheias. Como então ele se purifica e elimina o mal dentro de seu corpo?

Separar a vitalidade e as centelhas de santidade do alimento não-casher que ele consumiu, e elevá-los a partir das kelipot, pode ser conseguido de duas maneiras: Primeiro, quando chegar o tempo em que "E Eu [D’us] removerei o espírito de impureza da terra"; segundo, quando o pecador "se arrepende tão firmemente que seus pecados premeditados se transmutam em verdadeiros méritos". Claramente, a primeira alternativa não depende diretamente do homem. Ao contrário, é decretada lá do Alto. A segunda alternativa, no entanto, está ao alcance do homem, e ele pode atingi-la por meio de seu próprio serviço Divino. Ele tem a capacidade de remover de si mesmo o "espírito de impureza" que se apega a ele, e fazê-lo sumir do mundo.

Pecados em méritos

Segundo o Talmud, o arrependimento devido ao medo transforma transgressões deliberadas em pecados involuntários. No entanto, quanto ao arrependimento por grande amor "foi dito que os pecados premeditados [do penitente] tornam-se, para ele, como virtudes." Rabi Shneur Zalman explica que este amor não é o nível de amor a D’us que a Torá ordena a todo judeu atingir. Ao contrário, este é amor "que vem das profundezas do coração, com grande amor e fervor, e de uma alma desejando apaixonadamente apegar-se a D’us, bendito seja. Além disso, este amor brota de uma grande sede por D’us, como uma pessoa perdida numa terra estéril e seca anseia desesperadamente pela água.

Assim, um ba'al teshuvá, um penitente sincero, exatamente porque sua conduta anterior indesejável "o removeu para longe da luz do Divino Semblante", anseia e deseja apegar-se a D’us. E esta sede e esta ânsia são muito maiores que a sede do justo que nunca pecou. Isso é o que Nossos Sábios sugerem com a declaração: "Onde ficam os penitentes, nem mesmo os perfeitamente justos podem ficar" – pois o último não experimenta a mesma sede e ânsia que o penitente sincero.

Em retrospecto, fica claro que quanto ao arrependimento que brota do amor, quanto mais grave a transgressão que o penitente cometeu no passado, e portanto maior a angústia e remorso que sente agora por causa de sua distância de D’us, maior será a sede de apegar-se ao Eterno, bendito seja. Assim, podemos dizer que o pecado em si, que originalmente o separou de D’us, agora lhe traz maior amor e sede por D’us. Por isso, seus pecados premeditados do passado o trazem às virtudes do presente. Quando o penitente chega a este estágio, conseguiu extrair as centelhas de santidade dos alimentos proibidos que estavam anteriormente presos nas kelipot impuras.



Parte 30 – O Homem e Seu Sustento

O homem e o alimento que ingere têm um relacionamento recíproco. O homem tem poderes da alma, e o alimento que consome está permeado com vitalidade espiritual, como está explicado no sétimo e oitavo capítulos do Tanya. Cada um afeta e influencia o outro.

A comida casher está imbuída de vitalidade que deriva de kelipa noga, uma kelipa parcialmente impura compreendendo uma mistura de bem e mal. O homem possui a capacidade de elevar este alimento ao âmbito da santidade, se for ingerido pelo mérito do Céu. E mesmo se ele tropeçar e devorar a comida para satisfazer seus apetites corporais, arrastando assim a vitalidade dentro dela às três kelipot completamente impuras, mesmo assim ele tem a capacidade de extrair a vitalidade das três kelipot completamente impuras, e elevá-la ao domínio da santidade. Isso ocorre quando ele retorna ao serviço de D’us e à Sua Torá, e se ocupa com teshuvá "que traz cura ao mundo", embora seu arrependimento seja motivado pelo medo e não por amor.

No entanto, se uma pessoa erra e consome alimentos proibidos, que fazem a vitalidade dos três completamente impuros ser absorvida em sua carne e sangue, ele requer um nível muito mais profundo de teshuvá para curar-se e ficar livre da substância estranha que se infiltrou em seu corpo. O nível comum de teshuvá, que brota do medo, é insuficiente – ele deve atingir o nível de teshuvá motivado por grande amor a D’us, que transforma seus pecados em virtudes. Até que ele atinja este nível de arrependimento, a vitalidade que adquiriu do alimento proibido não subirá ao domínio da santidade, embora ele utilize a energia que deriva dele para rezar e estudar Torá.

Seduzindo a Alma

A partir de uma perspectiva mais profunda, podemos dizer que, como a vitalidade que permeia a comida casher é essencialmente diferente daquela que vitaliza alimentos proibidos, os poderes da alma que são atraídos a estes dois tipos de vitalidade também são essencialmente diferentes. Como declara o Zohar: o yetser hará (mal instinto ou má inclinação) para um judeu é a força ardente que anseia por coisas permissíveis.

O desejo natural por alimentos proibidos, no entanto, é característico do mau impulso de uma pessoa, em geral, pois tanto sua alma quanto o alimento que deseja derivam da mesma fonte – as três kelipot completamente impuras. Em contraste, a aspiração por comida casher, embora a motivação para consumi-la não brote da aspiração de sua alma Divina de elevar a comida ao âmbito da santidade, mas sim dos desejos animalescos da pessoa, flui de um yetser hará judaico que deriva de kelipa noga.

O Declínio do Yetser Hará

Dados os princípios acima, surge uma questão. Como o yetser hará e a força que anseia por coisas proibidas, que não são oriundas de um judeu pois emanam de outra fonte, entra no domínio e possessão de um judeu?

A Chassidut explica que há uma diferença entre os apetites inatos naturais do yetser hará do judeu, e os desejos e anseios que tomam conta dele depois que já degenerou. O apetite natural inerente do yetser hará de todo judeu é satisfazer-se com coisas permitidas. No entanto, ao consentir em coisas permissíveis, a fim de satisfazer apetites corporais, o yetser hará é arrastado para as três kelipot completamente impuras, juntamente com a vitalidade da comida que ele devorou para satisfazer seus desejos. E então ele é facilmente tentado a transgredir e condescender em assuntos proibidos.

Em sua famosa obra, Sha'arei Teshuvá, Rabeinu Yona escreve que para evitar cair em uma medida de coisas proibidas, a pessoa deve guardar-se em cem medidas de coisas permitidas, pois a partir das coisas permitidas ele pode ser desviado a coisas proibidas! Nossos Sábios mantêm o princípio idêntico: "Este é o jeito do yetser hará. Hoje ele diz: 'Faça assim.' E amanhã ele dirá: 'Faça assim e assado.' E por fim ele lhe dirá para adorar ídolos." Inicialmente, o mau impulso seduz a pessoa a pequenas transgressões. Em seguida, quando a pessoa já está em seu poder, o mau impulso o convence a transgressões mais sérias, e assim por diante.

Na Chassidut Chabad isso é explicado da seguinte maneira: Antes de um judeu condescender em coisas permitidas, seu yetser hará estava desconectado com as más ações. Uma vez que ele tenha passado a apetites por coisas permissíveis, desse modo "fazendo uma visita" às três kelipot completamente impuras, o próprio yetser hará torna-se profanado e degradado. Assim ele se torna capaz de ansiar também por coisas proibidas, coisas que inerentemente eram proibidas a ele.

Parte 31 – Guerra Mundial

"O Homem é um pequeno mundo, um microcosmo" – declara o Talmud. Daí conclui-se que a guerra entre a alma Divina e a alma animalesca que irrompe dentro de um judeu pode ser considerada como uma guerra mundial. As duas almas que habitam todo judeu não vivem em paz e fraternidade. A batalha entre elas não é uma briga ideológica ou desentendimento similar à discórdia que existe entre duas pessoas com interesses diferentes. É simplesmente guerra. Este assunto é discutido no capítulo nove do Tanya. Rabi Shneur Zalman o descreve como uma batalha entre dois reis "que entraram em guerra por uma cidade, que cada qual deseja capturar." Assim como na guerra cada lado tem seus objetivos militares e suas próprias táticas e estratégias, e seus próprios quartéis de onde parte para lutar, assim também com cada uma dessas duas almas.

A morada de cada alma

Cada uma dessas duas almas reside numa parte diferente do corpo. A alma animalesca, que é predominantemente emocional, mora no coração, a base das emoções. A alma Divina, que é essencialmente racional, reside no cérebro, a morada do intelecto.

Mais especificamente, no próprio coração, a morada da alma animalesca é o ventrículo que está cheio de sangue, o esquerdo. E "assim como o sangue tem sua fonte no coração, e a partir do coração circula até cada órgão, subindo também ao cérebro"– assim também é com a alma animalesca oculta no sangue. É no coração que as paixões animalescas, que incitam o homem a desejos corporais e à fúria, e a sentimentos semelhantes, são geradas e desenvolvidas. E a partir do coração estas emoções se espalham e invadem todo o corpo. Se elas requerem ajuda e orientação estas emoções sobem até o cérebro, que serve simplesmente como uma ferramenta para realizar as paixões do coração.

A morada da alma Divina é essencialmente no cérebro, e a partir daí estende-se ao ventrículo direito do coração. O último serve como uma segunda morada da alma Divina. O ventrículo direito do coração não contém sangue como tal. Ao contrário, o sangue passa através de suas câmaras. O lado direito do coração é o receptáculo da força de vida da pessoa (é onde o oxigênio que sustenta a vida é adicionado ao sangue). Além disso, é a base do yetser tov, a boa inclinação, como declara o versículo de Cohêlet: "O coração do homem sábio está à sua direita" (oposto ao "coração do tolo" que está à esquerda). A revelação do amor ardente do homem para com D’us reside neste lado do coração, e aqui é sentida "a alegria do coração na beleza de D’us e a majestade de Sua glória" quando o homem sábio contempla e percebe intelectualmente a glória e grandeza de D’us. A alma Divina também afeta o corpo como um todo, com o qual se comunica por meio das três "vestes" da alma – pensamento, fala e ação.

Uma nação prevalecerá sobre a outra

O versículo "Uma nação prevalecerá sobre a outra" refere-se a um conflito entre Yaacov e Essav. Em termos de vida espiritual judaica, este versículo é entendido como uma alusão à alma Divina e à alma animalesca que estão constantemente lutando uma com a outra. Além disso, esta batalha não está confinada às respectivas moradas das almas Divina e animalesca. A frente de batalha está em todo o corpo, e cada alma lança constantemente sua força contra a outra.

Rabi Shneur Zalman compara o corpo a uma cidade, seus membros a cidadãos, e as duas almas a reis. Numa guerra entre dois reis, cada um tenta conquistar uma cidade estratégica, e depois governá-la. (Conquistar uma cidade implica que o povo pode ser forçado a agir segundo os desejos do rei, contra os desejos do povo, ao passo que governar a cidade implica que o domínio do rei sobre eles é expresso de tal maneira que eles obedecem voluntariamente seus comandos, como declara o versículo: "E Seu domínio eles aceitaram de bom grado sobre si mesmos.")

As mesmas idéias aplicam-se ao âmbito das almas. A alma Divina e a alma animalesca empreendem guerra uma com a outra numa tentativa de governar o corpo e todos os seus órgãos, para que a conduta geral da pessoa seja segundo a vontade da alma vitoriosa. Além disso, o corpo e todos os seus membros obedecerão o vencedor em tudo que este decretar, mesmo que não entendam as razões para os editos do rei, pois o rei vitorioso assim o decretou.

Deve ser enfatizado que esta guerra interna não é algo que veremos ocasionalmente. A guerra é constante. E como o homem é recriado diariamente como uma nova criatura, esta guerra toma dimensões diferentes a cada e todo dia de sua vida

Parte 32 – Os Objetivos da Alma Divina

A guerra interna entre a alma Divina e a alma animalesca pelo domínio sobre o corpo e todos seus órgãos é comparada a dois reis guerreando por uma cidade que cada um deseja conquistar e governar. Como conseqüência da prolongada batalha, cada um desses "reis" tem chance de ser ferido ou enfraquecido.

No capítulo nove do Tanya, Rabi Shneur Zalman analisa esta guerra interna dentro do judeu. No entanto, em vez de examinar as estratégias de batalha e as táticas de ambos os lados, o Alter Rebe explora o assunto de uma perspectiva mais ampla. Ele examina as aspirações e objetivos de cada um deles como fatores decisivos na batalha espiritual interna. Esta análise produz alguns resultados inesperados. Os objetivos de cada uma das alma belicosas não são como aparecem no campo de batalha. Estes objetivos também não são equivalentes, pois cada uma das duas almas tem seus próprios objetivos e metas.

Os objetivos da alma Divina

"A vontade da alma Divina é que somente ela governe e oriente a pessoa" para que o corpo e todos seus membros se sujeitem à sua disciplina. Ao receberem sobre si mesmos o jugo da soberania, o corpo e os membros cumprirão tudo que a alma decreta – incluindo aquelas coisas que a pessoa não entende completamente.

A alma Divina não está satisfeita somente com o cumprimento físico das mitsvot. Ela espera também algum tipo de reação positiva a si mesma por parte da pessoa. Nas palavras do Tanya: a alma Divina deseja que o corpo e seus membros "se rendam completamente a ela", anulando sua vontade em favor da vontade de D’us, e tomando a firme decisão de qualquer que seja a vontade de D’us, essa será também a vontade dela. Num estágio mais avançado a alma Divina encoraja a pessoa se tornar uma "carruagem" para ela. Isso implica que a pessoa é tão tímida, e entregou sua vontade de tal forma que tornou-se simplesmente um veículo reagindo voluntariamente a todos os comandos de seu condutor, assim como uma carruagem seguindo as direções de quem a dirige, sem qualquer vontade própria.

Além disso, a alma Divina não oculta seus objetivos, os quais são que somente seus poderes sejam envolvidos dentro da pessoa, para que seu corpo inteiro seja permeado somente com eles, e nada que seja alheio possa passar por eles. Onde a alma Divina governa exclusivamente, poderia jamais surgir a situação de às vezes uma pessoa abrigar os poderes de santidade e em outras vezes os poderes da impureza.

Ao contrário, o pensamento, fala e ações de uma pessoa seriam apenas aqueles pertinentes a D’us e Sua Torá, e seus 248 membros se ocupariam totalmente com as mitsvot. As três partes do cérebro estariam permeadas com chochmá (sabedoria), biná (entendimento) e da'at (conhecimento) da alma Divina através de "ponderar a insondável e infinita grandeza" do Criador. Desta forma reverência e amor por D’us brotariam na pessoa.

Refinando a alma animalesca

No capítulo nove do Tanya, Rabi Shneur Zalman revela um novo campo de ação na estrutura geral do serviço espiritual que todo judeu é obrigado a aceitar sobre si mesmo. Este é o trabalho de refinar e elevar a alma animalesca, "mudar e transformá-la de [uma ânsia por] prazeres mundanos em amor por D’us." Nossos Sábios expressaram esta idéia ems eu comentário sobre o versículo: "E amarás a D’us… com todo seu coração." A forma dual da palavra para coração, levavecha (implicando com todos seus corações, no plural), em vez de levach (coração no singular), sugere que ambas as inclinações – o yetser tov (a boa inclinação) e o yetser hará (a má inclinação) – devem vir a amar a D’us. Mas como é possível para a má inclinação amar a D’us? A Chassidut explica que isso é alcançado por meio do redirecionamento do poder do desejo da alma animalesca, que inerentemente anseia pelo prazer físico, rumo a metas positivas, rumo ao amor a D’us.

De maneira geral, a alma Divina influencia e refina a alma animalesca em estágios sucessivos, usando o amor de D’us como um instrumento, por assim dizer. A princípio, por meio de assuntos de meditação apropriados, uma pessoa desperta em si mesma "um amor poderoso, como lampejos ardentes." Este amor em si engloba diversos níveis, começando com o amor de D’us com todo seu(s) coração(ões), no qual o coração inteiro está repleto de amor, como foi explicado acima. O próximo estágio é chegar a amar a D’us "com toda sua alma", no qual o amor cresce e se espalha até mesmo aos poderes físicos e órgãos que, eles próprios, não são propriamente "recipientes" bem adequados para conter o amor a D’us. O estágio final é amar a D’us "com toda sua força", que é um amor ilimitado por meio do qual o homem é elevado além de seus poderes e sentidos limitados.

No início de seu serviço, o coração de uma pessoa está apenas incrustado com amor por dentro", o que equivale a dizer que somente uma fina camada de amor pavimenta o ventrículo direito do coração, por assim dizer, onde reside a alma Divina. Porém, num estágio posterior, o lado direito de seu coração torna-se tão repleto de amor que este se derrama também para o lado esquerdo, onde habita a alma animalesca. Então a alma Divina é elevada a um nível mais alto de amor a D’us. Assim, do nível anterior, chamado "um amor poderoso como lampejos de fogo", a alma passa ao nível de "deleite amoroso", conhecido nas Escrituras como "ahavá beta'anugim." Este amor tem o poder de finalmente efetuar a transformação esperada do poder de desejo da alma animalesca, que inerentemente anseia pelo prazer físico, em amor a D’us.



Parte 33 – Reconhecendo Seu Inimigo

No versículo "D-us formou (Vayetsê) o homem", nossos Sábios declaram que o "yud" duplo na palavra nos ensina que o homem foi criado com dois yetzarim, o yetser hatov e o yetser hará, ou boa inclinação e má inclinação. A natureza dessas inclinações, e particularmente aquela da má inclinação, é discutida no Talmud e na literatura midráshica. A Chassidut Chabad destaca ainda uma faceta do assunto examinando estas inclinações como modos de expressão da alma.

Cada alma tem uma gama de faculdades, geralmente dividida em duas categorias – intelecto e emoções. As faculdades intelectuais da alma são seus atributos primários, ao passo que suas faculdades emocionais são meramente um produto da alma intelectual contemplativa. Como resultado de contemplar constantemente e refletir sobre a revelação do Eterno, bendito seja – sendo esta a única área de interesse da alma Divina – emoções sagradas nascem dentro dela. Estas são chamadas yetser tov, a boa inclinação. Similarmente, dentro da alma animalesca, nascem emoções apropriadas à sua essência. Estas também são um produto de sua contemplação e reflexão. Porém, em contraste com a alma Divina, a alma animalesca contempla apenas as coisas físicas e materiais desse mundo. Assim, atributos emocionais negativos nascem dentro da alma animalesca, e são revelados como o yetser hará, a má inclinação.

Ser tentado e não sucumbir

Rabi Shneur Zalman discute a guerra psíquica interior que irrompe em uma pessoa em termos da alma Divina e da alma animalesca que lutam entre si, em vez de em termos de estratégias e táticas da boa e da má inclinação. A razão para isso é que a guerra entre estas duas almas é muito mais fundamental que o conflito entre as duas inclinações. Uma vez que tenhamos entendido a natureza da guerra psíquica interior a partir dessa perspectiva mais profunda, poderemos entender os poderes e habilidades dos lados oponentes.

A alma animalesca deveria ser considerada como um inimigo astuto. Para entender bem a natureza desta alma não é suficiente examinar suas ações no campo de batalha. Ao contrário, devemos esclarecer realmente quais são as aspirações e objetivos da alma animalesca, e o que ela espera atingir, ao empreender uma guerra com a alma Divina.

Ao passo que o desejo da alma Divina é que ela sozinha governe a pessoa e cuide de todos seus assuntos, para que o corpo inteiro seja permeado exclusivamente com suas faculdades, a alma animalesca deseja exatamente o oposto. Isso equivale a dizer que o desejo da alma animalesca é que o homem "prevaleça sobre ela e a subjugue!"

Na realidade, a alma animalesca também deseja o bem-estar do homem, e embora aparentemente ela exiba a intenção oposta, para que o homem sinta a presença de uma inclinação para desviá-lo do correto e estreito, mesmo assim, esta não é a intenção íntima da alma animalesca. Pelo contrário, a alma animalesca também deseja que o homem viaje pelo caminho correto e estreito do cumprimento da vontade de D’us. Assim sendo, poderíamos perguntar por que então a alma animalesca tenta seduzir uma pessoa ao mal? A resposta a isso é que o bem elevado e especial que o Eterno, bendito seja, deseja conceder sobre nós pode ser adquirido pelo homem somente depois que ele enfrentou um desafio difícil sem sucumbir. Pelo contrário, ele se ergue para encontrar o desafio e sai vitorioso.

A alma animalesca deseja falhar

Segundo o Tanya, então, a função da alma animalesca é "como na parábola da meretriz [relatada] no sagrado Zohar": Um rei tinha um único filho, a quem amava profundamente. Em seu amor pelo filho, instruiu o príncipe a não se associar com mulheres de má vida, que fariam dele um homem impróprio para os deveres no palácio real. Depois de algum tempo, o rei decidiu testar a força moral do príncipe. Com este propósito, mandou chamar uma mulher bela e inteligente. Explicando a ela o propósito do teste, instruiu-a a fazer todos os esforços para seduzir o rapaz.

Obviamente, se o príncipe obedecesse os desejos do pai, e repreendesse a mulher por suas ações e a mandasse embora, o rei ficaria encantado. Levaria então o príncipe aos aposentos secretos do palácio e o cobriria com presentes e honrarias. Além disso, a mulher também receberia algumas distinções pelo mérito, tanto pelo serviço prestado quanto porque tinha sido a causa de o príncipe receber sua recompensa.

Como na parábola acima, onde a mulher por dentro deseja que o príncipe não sucumba aos seus encantos, e também pode se alegrar com a felicidade do rei, assim também ocorre no nosso caso. A alma animalesca deveria ser considerada como algo que deseja o aperfeiçoamento e o benefício do homem.

Parte 34 – O Tsadic

Segundo a opinião do Tanya, uma pessoa que passou por testes de força moral e de caráter, e não sucumbiu ao pecado em pensamento, palavra e ação não é exatamente o significado do termo tsadic. Este também não descreve a essência de um tsadic. Ao contrário, o título tsadic refere-se a uma pessoa que triunfou sobre sua alma animalesca. Esta vitória significa que ele expulsou, ou transformou em bem, o mal inerente a seu coração desde o momento em que nasceu.

No capítulo dez do Tanya, Rabi Shneur Zalman explica que há duas categorias gerais de tsadic. Um tsadic imperfeito ou incompleto é alguém que conseguiu banir ou eliminar o mal dentro de si por meio de seu serviço Divino, como alude o versículo: "E erradicarás o mal de dentro de ti." Um tsadic perfeito ou consumado é alguém que não somente baniu qualquer traço de mal dentro de si, como também conseguiu transformar o mal em bem.

Conforme já destacamos, na sabedoria chassídica há uma distinção entre a faculdade do desejo da alma animalesca, e as "vestes imundas" nas quais a alma animalesca se veste. O poder do desejo não é necessariamente mau. Ele tem em si o potencial de ser atraído na direção do bem ou do mal. As "vestes imundas" nas quais a alma se veste são o produto da indulgência nos deleites físicos deste mundo. Assim como uma pessoa pode mudar de roupas à vontade, assim também pode tirar as vestes imundas que cobrem sua alma.

Banir e eliminar o mal

Deveria ser enfatizado que a transformação do poder do desejo da alma animalesca em amor a D’us caminha de mãos dadas com mudar completamente as vestes imundas. Devido a isto, o tsadic imperfeito, que não conseguiu transformar o mal em bem, também não conseguiu eliminar o mal dentro de si próprio. É por este motivo que o tsadic incompleto é também chamado "um tsadic que conhece o mal", ou "um tsadic no qual existe o mal", pois algum minúsculo vestígio do mal ainda permanece dentro dele, no lado esquerdo de seu coração. No entanto, em seu favor, devemos dizer que o vestígio do mal nunca é expresso em pensamento, palavra ou ação, pois "em razão de sua pequenez, é subjugado e anulado para o bem."

Rabi Shneur Zalman enfatiza que o nível de "um tsadic que conhece o mal" na verdade abrange miríades de níveis, que são classificados segundo a quantidade e a potência do mal que permanece dentro dele. Em um tsadic imperfeito, um vestígio do mal originário do elemento Ar permanece. Em outro, um traço do mal do elemento Terra sobrevive, e assim por diante. Em um tsadic incompleto, o mal é anulado pelo bem na proporção de um para sessenta. Em outro tsadic imperfeito, o mal é anulado na proporção de um para mil, ou dez mil, etc. Estas várias subdivisões na categoria do tsadic imperfeito são os níveis dos numerosos tsadikim encontrados em todas as gerações. Segundo o Tanya, este é o significado da declaração de Nossos Sábios, que "dezoito mil tsadikim ficam de pé perante o Eterno, bendito seja."

O mal não é sentido

O rei David declarou sobre si mesmo: "Meu coração está vazio (chalal) dentro de mim." Isso sugere que seu coração estava vazio da consciência da má inclinação. E a razão para isso está declarada no Talmud Yerushalmi: "pois ele o tinha matado através do jejum." A palavra chalal significa também um cadáver, implicando assim que depois que o Rei David tinha jejuado a tal ponto que destruiu sua má inclinação, tudo de que tinha consciência era o "cadáver" do yetser hará dentro dele. Este status é atingido por todo "tsadic que conhece o mal" na guerra contra a alma animalesca.

O tsadic imperfeito destruiu seu yetser hará, e cumpriu o versículo "erradicarás o mal de seu meio", embora às vezes o vestígio do mal que permanece dentro dele (o "cadáver" de seu yetser hará) demonstre sua presença. Mesmo assim, não tem efeito sobre ele (permanece um corpo sem vida, por assim dizer) e não pode perturbá-lo em seu serviço Divino ou impedi-lo de apegar-se a D’us.

Em contraste, o yetser hará do benoni é passível de incomodá-lo ao máximo. Mesmo quando o benoni está ocupado com seu serviço Divino, e em meio a seu apego por D’us, maus pensamentos podem perturbá-lo. Para superar estes maus impulsos ele deve ir à guerra. No tsadic incompleto, porém, a aparência do mal é apenas transitória, e pode imediatamente ser ordenado a fugir sem qualquer luta.

Parte 35 – Entre um Tsadic e Outro

O mal "do lado esquerdo de seu coração" foi banido e eliminado. Seu yetser hará está inativo, e emoções más não são provocadas. O conflito de vontades dentro dele não ocorre, e somente a vontade de D’us ecoa dentro dele. Estes são os picos aos quais o serviço Divino do tsadic imperfeito pode elevá-lo, até que ele consiga remover completamente as "vestes imundas" dos deleites mundanos, e transforme o "poder do desejo" de sua alma animalesca em santidade, como o perfeito tsadic consegue fazer.

Um conhecido ditado chassídico declara que as trevas não podem ser afastadas com um bastão, somente com luz. Remover o prazer pelas coisas deste mundo, que profanam as vestes da alma animalesca de um judeu, não pode ser feito à força bruta, por meio de diversas formas de auto-aflição. Remover o prazer pelas coisas deste mundo somente é possível através do amor a D’us. De fato, o grau de amor a D’us é o critério pelo qual os tsadikim podem ser classificados em vários níveis.

Amor a D’us e ódio ao mal

Um perfeito tsadic mereceu o nível de amor chamado ahavah b'ta'anugim – "deleite amoroso" ou "amor bem-aventurado". Este é o nível de amor no qual um tsadic vivencia "deleite na Divindade que é um prenúncio do Mundo Vindouro". Por causa de seu intenso amor a D’us o tsadic despreza assuntos mundanos que não são pertinentes à santidade. Similar à maneira que uma pessoa acha as expressões de afeição e estima insuficientes para refletir o amor que tem por um amigo muito querido, porém sente que deve também odiar aqueles que se opõem a seu amigo, assim também no que diz respeito ao amor do perfeito tsadic por D’us. Devido a seu intenso amor por D’us, ele tem desprezo absoluto pelo "outro lado", o oposto da santidade. Além disso, este ódio ao mal é absoluto, como disse o Rei David nos Salmos: "Eu os odeio com um ódio consumado. Eles tornaram-se meus inimigos." No entanto, o tsadic incompleto ainda não atingiu este nível de amor, e de modo correspondente, ainda não chegou ao mesmo nível de ódio ao mal que o perfeito tsadic. Nas profundezas de sua alma, pode-se encontrar "algum vestígio de amor e prazer com ele" – com o mal.

De fato, a diferença entre a absoluta abominação do mal e a abominação incompleta do mal não é simplesmente uma questão de quantidade – onde um tsadic despreza mais o mal que o outro. Ao contrário, esta diferença é qualitativa. O perfeito tsadic, cujo amor a D’us é daquele nível chamado "deleite amoroso", e cujo deleite na vida está apenas em assuntos de santidade, tem desprezo absoluto com as coisas do mundo material que não estejam conectadas ao reino da santidade.

Este ódio é análogo à abominação natural das pessoas por coisas desprezíveis que elas não podem tolerar fisicamente. Em contraste, o tsadic imperfeito, cujo amor a D’us não é tão grande quanto o do tsadic perfeito, não considera as coisas mundanas tão repulsivas fisicamente como o faria uma pessoa comum. Em vez disso, ele simplesmente as considera como algo a evitar, pois perturbariam seu Divino serviço.

Transformando o mal em bem

Somente quando os prazeres deste mundo foram completamente erradicados, como ocorre com um tsadic perfeito, o "poder do desejo" pode ser redimido e transformado em verdadeiro bem. No entanto, se o tsadic tem alguma conexão com as "vestes imundas", o "poder do desejo" de sua alma animalesca não pode ser transformado completamente, embora em geral ele esteja ocupado em afastar o mal e transformá-lo em bem. E portanto, ele é incapaz de utilizar este poder para objetivos positivos e benéficos.

De modo geral, o banimento do mal e sua conversão ao bem pelo tsadic incompleto é comparável a transformar água salobra em potável diluindo-a em água boa, doce. Quanto mais se adiciona água doce, menos se sentirá o gosto ruim da água salobra. Mesmo assim, embora o gosto da água não seja mais perceptível, não se pode dizer que ele não existe. Pelo contrário, o sabor da água salobra chega a afetar de algum modo o sabor da água potável. Uma analogia diferente aplica-se ao perfeito tsadic que transformou o mal em bem. Isso é comparável à melhoria da água por Moshê em Marah, onde "D’us mostrou a ele uma determinada árvore, que ele jogou dentro da água, e a água se tornou doce." Neste caso, o sabor ruim se transformou em doçura.

Quanto ao tsadic imperfeito, em quem a menor quantidade de mal é apenas anulada no bem, o mal poderia vir a ser despertado. Em contraste, o mal que o completo tsadic erradicou completamente jamais pode ser re-despertado!

Parte 36 – Bnei Aliyah



O Midrash declara: "O Eterno, bendito seja, viu que os tsadikim são apenas poucos, portanto plantou-os em cada geração." Os "tsadikim que são apenas poucos" não são chamados tsadikim porque a maioria de suas ações é boa, e as boas ações superam as más, portanto eles merecem um julgamento positivo. Há muitos desses tsadikim. A categoria de "tsadikim que são apenas poucos" também não inclui aqueles que subjugaram sua alma animalesca e chegaram ao nível de tsadic incompleto, pois estes também são numerosos. Os últimos são mencionados na Guemara como os "dezoito mil tsadikim que ficam perante o Eterno, bendito seja."

Na categoria "tsadikim que são poucos" estão incluídos somente santos perfeitos. Sobre o último, Rabi Shimon Bar Yochai declarou: "Eu vi que os bnei Aliyah (homens de status espiritual superior) são apenas poucos. Se eles forem mil, eu e meu filho estamos incluídos. Se forem cem, eu e meu filho estamos entre eles. Se houver apenas dois, eles são meu filho e eu."

Aqueles que transformam a escuridão em luz

A razão para estes tsadikim serem chamados de bnei aliyah é explicada no décimo capítulo do Tanya. Seu Divino serviço é tal que eles transformam o mal e o elevam a santidade. Este foi o nível elevado atingido pelo serviço espiritual de Rabi Shimon Bar Yochai. Além disso, todos aqueles que desejavam fazer parte de seu grupo também tinham de estar neste nível. A introdução do Zohar relata que quando Rabi Chiyah desejou ascender ao hechal (santuário celestial) de Rabi Shomon Bar Yochai, ele ouviu uma voz surgir e dizer: "Aquele de vocês que antes de vir aqui converteu a escuridão [do mundo] em luz [santidade] e a amargura [de sua alma animalesca e má inclinação] em doçura [de santidade], somente aqueles podem entrar no santuário celestial de Rabi Shimon Bar Yochai.

O Tanya explica longamente que o título bnei aliyah expressa um nível extremamente elevado de serviço Divino. Neste nível, o tsadic não aspira a cumprir Torá e mitsvot para aplacar a sede de sua alma, que anseia por apegar-se a D’us. Ao contrário, a intenção de seu Divino serviço é pelo mérito do Próprio D’us – para executar os desejos de seu Criador neste mundo.

Há um nível de serviço Divino no qual a intenção primária da pessoa ao servir a D’us é iluminar sua alma com a luz Divina. Uma pessoa que serve a D’us dessa maneira, em essência, cumpre o conselho do profeta Yeshayáhu que exclamou: "Todos que estão sedentos vão para as águas." Nossos Sábios explicam que a "água" aqui mencionada é nada menos que a Torá, pois é através da Torá que a alma que anseia por D’us pode aplacar sua sede. Este serviço Divino, embora seja extremamente elevado, mesmo assim em certo sentido está mesclado com um sentimento do ego, e com o benefício que deriva da alma a partir de seu serviço ao Criador.

Um nível muito mais alto de serviço Divino é aquele de alguém cujo serviço a D’us não inclui nenhum interesse próprio. Tudo que ele busca é fazer do mundo um recipiente para a Divindade e cumprir o desejo de D’us que este mundo inferior seja transformado em uma moradia para Ele. De uma perspectiva mais ampla, é explicado na Chassidut que o primeiro nível mencionado acima refere-se ao serviço de um tsadic completo, embora não aquele de bnei aliyah, ao passo que o segundo nível refere-se àquilo que a Guemara chama um chassid.

O Chassid

Como uma demonstração prática da conduta de um verdadeiro chassid, examinemos a seguinte história de Rabi Nachum, o Rebe de Chernobyl:

Os chassidim relatam que Reb Nachum certa vez chegou a uma cidade que não possuía um micvê. Ele ficou muito perturbado com este fato, especialmente porque o motivo para a falta dessa necessidade vital da vida judaica era que os habitantes da cidade não tinham condições de levantar a grande soma de dinheiro para construir um micvê.

Após examinar o problema e fazer algumas investigações, ficou claro para Rebe Nachum que seria possível conseguir o dinheiro necessário, mas somente se um dos ricos moradores da cidade doasse parte de sua fortuna. Quando todos os habitantes se reuniram para as preces diárias, Reb Nachun subiu à bimá no centro da sinagoga e anunciou que estava preparado para vender sua porção no Mundo Vindouro, pela quantidade de dinheiro necessária para construir o micvê. Os moradores ricos rapidamente resolveram aproveitar a pechincha, e entregaram a quantia necessária a Reb Nachun. Este pegou o dinheiro e entregou-o às autoridades encarregadas, com o objetivo de construir o micvê.

Se a vontade do Criador é que em todos os lugares onde vivem judeus haja um micvê – para este propósito este tsadic estava disposto e pronto a renunciar a tudo aquilo que lhe era mais caro, a ponto de vender sua porção no Gan Eden.





Parte 37 – O Rasha



Para entender a quem o título "perverso" (rasha) se refere, precisamos primeiro entender o grande valor das mitsvot, e de modo correspondente, as conseqüências da transgressão. Quando um judeu cumpre os preceitos de seu Criador, ele se conecta com D’us. Etimologicamente a palavra para mandamento, mitsvá, está relacionada à palavra tzavta, significando um "nó", ou "vínculo". Neste sentido, uma mitsvá conecta um judeu ao Eterno, bendito seja. De modo contrário, quando um judeu transgride, ele atinge o efeito oposto. Com cada averá (transgressão ou pecado, etimologicamente relacionado à palavra over, "transferir"), uma pessoa se afasta do domínio do Eterno, e se transfere (over) a outro domínio, por assim dizer. Em outras palavras, no momento da transgressão, embora esteja para pecar apenas uma vez, a pessoa é imediatamente chamada de perversa.

Assim, o termo rasha expressa o relacionamento de uma alma judaica com a transgressão. Denota sua infortunada disposição ou prontidão para transgredir a vontade de seu Criador. Como, em princípio, a transgressão não é algo alheio a esta pessoa, e ela potencialmente poderia vir a pecar, está incluída na categoria de alguém que realmente peca, embora neste ponto específico no tempo esteja ocupada com algo que não é pecaminoso em si mesmo. Segundo esta classificação, explanada no capítulo 1 do Tanya, tal pessoa é chamada um completo rasha. Isso é comparável a um artesão que é chamado de carpinteiro ou sapateiro, etc., mesmo quando está ocupado com algo que não seja a carpintaria ou conserto de sapatos.

Para receber o título de "rasha", não é necessário que a pessoa caia em transgressões graves, para as quais a punição seria a excisão ou um dos quatro tipos de morte que o Beit Din (Corte Rabínica) tinha o poder de emitir. É suficiente que alguém transgrida um mandamento menos importante para estabelecer o fato de que ele não está no domínio do Criador, mas sim num domínio seu. Isso equivale a dizer que com qualquer pecado ele passa por cima, ou se transfere a outro domínio. De modo correspondente, isso significa que ele não se coloca mais sob a autoridade de D’us.

Como declara o Tanya: "Mesmo alguém que transgride um mandamento rabínico de menor importância é chamado perverso", pois as injunções rabínicas também são a vontade de D’us, assim como os preceitos ordenados pela Torá. A única diferença entre eles é que alguns mandamentos o Eterno, bendito seja, decidiu dar ao povo judeu através de Moshê, nosso mestre, na Torá outorgada ao povo judeu no Monte Sinai, ao passo que foi a vontade d'Ele que outros mandamentos fossem ensinados por Nossos Sábios, de abençoada memória.

A missão da alma

No capítulo 11 do Tanya, Rabi Shneur Zalman descreve o funcionamento interno da alma de um perverso. De modo geral, podemos distinguir duas categorias de pessoas perversas, o rasha completo, ou rasha que possui apenas o mal, e o rasha incompleto, que possui algo de bom. O primeiro é aquele cujas ações na vida são motivadas apenas por objetivos maus, e nenhum bem ilumina seu ser interior. É verdade também que apesar disso, ele permanece um judeu com uma alma que é uma parte do D’us acima. No entanto, sua alma Divina não tem impacto perceptível sobre ele, e ele está inconsciente da alma que paira acima dele de maneira distante e externa.

Um rasha que conhece o bem, no qual o bem existe, é aquele que sente remorso. Isso ocorre independentemente da sinceridade ou não de seu remorso, e da adequada expressão de arrependimento, ou se eles são apenas sentimentos de culpa sem qualquer valor.

Podemos dizer que o rasha completo é aquele cujo ser interior é todo mau, ao passo que o rasha que possui algo de bom, muito embora possa transgredir, mesmo assim está consciente do bem dentro de si. Isso é verdadeiro mesmo que a bondade Divina não seja dominante dentro dele, e do ponto de vista da ação prática ela seja subjugada e anulada pelo mal dentro dele.

Um estado de fraqueza

As duas almas, a alma Divina e a alma animalesca, batalham dentro do homem pelo controle do corpo e de todos os seus membros. Ambas as almas foram originalmente colocadas dentro dele com poderes iguais. Desde que um dos lados não seja enfraquecido, embora a guerra entre eles seja constante, a pessoa é chamada, na linguagem do Tanya, de benoni. No entanto, se um dos lados prevalece e enfraquece o outro, a definição da pessoa mudará. Assim, por exemplo, um tsadic no qual exista algum vestígio de mal, um tsadic imperfeito, é aquele que enfraqueceu sua alma animalesca, e o mal dentro dele está dominado, e anulado, pelo bem dentro dele. Em contraste, o título "rasha no qual existe o bem" aplica-se àquele que enfraqueceu sua alma Divina para que o bem dentro de si seja dominado, e anulado, pelo mal. Portanto o título "rasha no qual existe o bem" expressa não somente o fato de que há algum bem dentro dele, como também expressa o fato de que o bem dentro dele está subjugado e anulado pelo mal!

Segundo a explicação do Tanya, se uma pessoa tem o potencial para pecar – mesmo que sejam apenas transgressões menores e de forma esporádica – mesmo assim é um sinal de que sua alma Divina está maculada, e que ela foi enfraquecida. Isso aplica-se até mesmo a uma pessoa que se ocupa com Torá e mitsvot e que serve a D’us em todos os seus dias.

Embora sua alma Divina esteja subjugada e seja subserviente ao mal de sua alma animalesca apenas numa extensão muito pequena, mesmo assim, os poderes de suas duas almas são desiguais. Neste sentido, ele é chamado um "rasha no qual existe o bem". Ele é um rasha, sendo que tem a capacidade de pecar. Mesmo assim, "existe o bem dentro dele", embora o bem seja subjugado pelo mal.


Parte 38 – O Rasha e o Bem em Seu Interior



Já foi explicado que o homem possui faculdades tais como intelecto e emoções, e também três "vestes" – pensamento, fala e ação, que dão expressão às ações de sua alma. Um tsadic não somente fortalece as ações de sua alma Divina ao purificar suas "vestes", como também o estado interno de sua alma. Em contraste, a pessoa má, o rasha, está na posição oposta. A alma animalesca de um rasha o domina. Este domínio não é apenas no que se refere às obras interiores de seu coração, mas também a ação prática, ou a expressão de sua alma animalesca por meio de suas "vestes" do pensamento, palavra e ação. Ou seja, ele está propenso a realmente transgredir um mandamento.

Para ser chamado de rasha não é necessário que uma pessoa seja um criminoso renomado. Basta que seja uma pessoa simplesmente passível de transgredir. Na verdade, o fato de que um rasha possa cumprir uma mitsvá não o impede de errar mais tarde. De modo paralelo, alguém que tenha cometido uma transgressão, mesmo que ainda não tenha se arrependido, é completamente capaz de continuar a cumprir todas as mitsvot. (Além disso, é o que se exige dele, embora tenha transgredido previamente). Na hierarquia dos níveis, não é impossível, portanto, encontrar aqueles que são classificados como perversos, e que estão muito distantes do Judaísmo, lado a lado com aqueles que têm reverência a D’us, e que cumprem todos os preceitos, do menor ao mais importante, pois o potencial para o pecado ainda existe dentro deles.

O rasha completo

No capítulo 11 do Tanya, Rabi Shneur Zalman divide os perversos em duas categorias gerais. O "o rasha no qual existe o bem" – e o "rasha que possui apenas o mal".

O "rasha que possui apenas o mal", ou um rasha completo, é uma pessoa que nunca sente remorso por seus atos impróprios. Além disso, ele nem ao menos pensa em arrependimento. Todos os fatores espirituais que levam uma pessoa a teshuvá, como sentimentos de remorso que brotam da natureza inerente de uma alma judaica que não pode e não deseja ser separada da Divindade, são desconhecidos para uma pessoa como esta.

Pode ocorrer que uma pessoa assim geralmente cumpre os preceitos e estuda Torá, ou que tenha feito isso em numerosas ocasiões. Nossos Sábios declaram: "Os pecadores de Israel estão tão repletos de mitsvot como uma romã está repleta de sementes." Ou seja, embora eles possam estar repletos de mitsvot, são considerados pecadores! Uma pessoa ssim decidiu que não há necessidade de que suas transgressões perturbem sua vida ou incomodem sua serenidade. Alguém nessa situação é chamado um completo rasha.

A radiância da bondade Divina não ilumina a alma de uma pessoa assim por dentro. Quando cumpre os preceitos que exigem ação física, estas são realizadas apenas com seus membros, mas sua alma não irradia seu ser interior. Quando ele cumpre um mandamento, este não ilumina sua alma.

No entanto, deve-se destacar que ao contrário de um tsadic, que é capaz de remover completamente o mal dentro de si, e até mesmo transformá-lo em bem, o rasha não está apto a remover completamente o bem de dentro de si. O Eterno bendito seja, concedeu esta grande gentileza ao rasha, portanto mesmo quando o bem está completamente oculto dele, mesmo assim permanece com ele, de maneira externa e distante.

Por virtude do bem

Existem muitas e variadas ramificações do fato de que algum aspecto do bem sempre permanece com um judeu. Uma dessas conseqüências é elucidada numa declaração de Nossos Sábios: "A Shechiná habita em cada grupo de dez homens judeus."

Há vários aspectos e níveis da revelação da Shechiná. A Shechiná paira sobre uma pessoa quando esta estuda Torá, como declaram Nossos Sábios no Tratado Berachot: "A Shechiná repousa até mesmo sobre um único indivíduo que senta-se e se ocupa com Torá." O Capítulo 35 do Tanya explica que este nível de revelação da Shechiná diz respeito à alma Divina de um indivíduo, quando distinta de seu corpo e alma animalesca. Há um outro nível de repouso da Shechiná, que é atraído através do cumprimento de mandamentos práticos. Além de iluminar a alma Divina, esta morada da Shechiná também envolve o corpo da pessoa e sua alma animalesca. Um aspecto mais completo do repouso da Shechiná é aquele que é atraído em todo local onde dez homens judeus estão reunidos. Este nível de morada da Shechiná é muito mais elevado que aquele que paira sobre um indivíduo, embora este seja um perfeito tsadic. Porém, apesar disso, a Shechiná somente repousa sobre um grupo de uma maneira externa, em vez de ser revelada internamente. Portanto, embora a alma de uma pessoa possa estar distante dela, como no caso do rasha, a Shechiná pode pairar sobre ele em virtude do grupo do qual ele faz parte.

A Shechiná repousa também sobre um grupo de dez homens judeus, mesmo que eles não se ocupem com Torá e mitsvot, ou qualquer outro tema relacionado à santidade. Além disso, este ainda é o caso, embora todos os dez homens sejam completamente maus. A Shechiná virá habitar sobre eles.

Parte 39 – O Rasha no Qual Existe D’us



O título "um rasha no qual existe D’us" descreve uma situação onde o bem na alma Divina da pessoa (que se manifesta no cérebro e no ventrículo direito de seu coração) é subserviente e é anulado pelo mal que deriva da kelipá (o qual é manifestado no ventrículo esquerdo de seu coração).

Obviamente, podem existir vários graus e formas de subjugação e anulação do bem para o mal. Dessa maneira, a descrição "um rasha no qual existe o bem" pode ser subdividida em miríades de diferentes níveis, segundo a quantidade e grau de sua anulação ao mal. No capítulo 11 do Tanya, Rabi Shneur Zalman descreve duas situações extremas. O nível mais elevado de "um rasha no qual existe o bem" é aquele em quem a subserviência e anulação do bem de sua alma Divina ao mal dentro dele é apenas na menor proporção. Se ele de fato transgride, será apenas em assuntos menos importantes, e muito esporadicamente. Além disso, a transgressão afetará apenas uma das vestes de sua alma – pensamento, ou fala, ou ação. No outro lado do espectro está "um rasha que possui somente o mal." Nele o mal domina a tal ponto que ele peca a intervalos próximos, transgredindo proibições severas. Além disso, ele não é avesso a contaminar todas as vestes de sua alma, pensamento, fala e ação.

Deve-se destacar que mesmo numa situação onde o bem consegue adquirir supremacia e prevalecer sobre o mal, ainda há uma diferença entre estas várias categorias de "rasha no qual existe o bem". Quando os níveis mais elevados de alguém que é denominado "rasha no qual existe o bem" (i.e., no qual o bem é subserviente ao mal em minúscula proporção) e que se arrepende de sua conduta pecaminosa, e "ele se arrepende com a penitência apropriada… D’us de fato o perdoará." No entanto, quando os níveis inferiores do "rasha no qual existe o bem" (cujo bem é subserviente ao mal em grandes proporções), "sente remorso, e o arrependimento entra em sua mente… o bem em seu interior não se fortalece o suficiente para afastar o mal" e ele não tem a força moral para livrar-se inteiramente do pecado.

O arrependimento apropriado

No tratado Yoma, Rabi Yishmael descreve três formas de perdão para três tipos diferentes de pecado. Se uma pessoa negligenciou um preceito positivo e se arrepende, é perdoada de imediato. Se alguém viola uma proibição e se arrepende, Yom Kipur junto com seu arrependimento expiam o pecado. Se sua transgressão é tão grave que incorre em afastamento espiritual ou execução nas mãos da Corte Rabínica, o arrependimento e Yom Kipur, junto com o sofrimento, completam sua expiação.

O rasha de nível mais elevado "no qual existe o bem" cumpre as exigências fundamentais de arrependimento por abandonar o pecado e melhorar seus caminhos no futuro. Além disso, ele também se ocupa com elevados aspectos de arrependimento que expiam, purificam e retificam seu passado. Apesar disso, segundo o Tanya, ele ainda é chamado de rasha. A razão para isso é que seu arrependimento ainda não curou o enfraquecimento ou mancha que causou em sua alma por causa do pecado. Ele ainda não possui a fortaleza de alma que garante com certeza que ele jamais pecará novamente.

Cheios de remorso

Quanto ao "rasha no qual existe o bem" no nível inferior, Nossos Sábios declaram: "Os perversos estão cheios de remorso." Entre um pecado e outro, ele se sente arrependido de suas ações. Até na hora da transgressão ele talvez sinta angústia, mas não tem a força para se distanciar do pecado.

Os pensamentos de arrependimento que este rasha tem não podem ser classificados como verdadeiro arrependimento. Embora ele possa ter um profundo arrependimento por seus atos, não pode impedir-se de pecar, admitir que está errado e abandonar completamente o pecado. Ele não tem a força para completar nem sequer o primeiro estágio da mitsvá do arrependimento. Seus sentimentos de remorso não afetam sua futura conduta. E mais ainda, ele é incapaz de retificar seu passado. Mesmo assim, para seu crédito, devemos dizer que o bem dentro dele não está adormecido, pois ele não é classificado como um "rasha no qual existe somente o mal" – alguém que não tem qualquer bem dentro de si.

Seria útil esclarecer, a esta altura, as razões para os pensamentos de arrependimento surgirem na mente.

Seria lógico dizer que o despertar destes pensamentos é importante em si mesmo, embora eles não sejam absolutamente genuínos e eficazes. Conta-se que um dos grandes chassidim, Rabi Yitschac, o Masmid, (alguém que é particularmente diligente e assíduo), ou Reb Itche, como era comumente chamado, era considerado por seu colegas como sendo um benoni. Sendo um homem extremamente humilde, ele era inconsciente de seu status espiritual superior. Quando Reb Itche comparecia a reuniões chassídicas, ou farbrenguens, ele costumava se censurar com lágrimas nos olhos, dizendo: "Itche, Itche, olhe como você é terrível, pior que um rasha no qual não existe o bem, e que nunca sente remorso por seus atos! Ele nunca estudou os ensinamentos chassídicos, mas você, que imergiu na Chassidut, por que não tem pensamentos de arrependimento? Por que não tem sentimentos de remorso?"

Parte 40 – O Benoni



O Tanya explica que um benoni é alguém que não está mais na categoria de um "rasha no qual existe o bem", mas que ainda não atingiu o nível de um "tsadic em quem existe o mal". Ele não peca como um rasha mas, por outro lado, não lidou com o mal interior de sua alma animalesca da maneira como faz um tsadic.

As virtuosas faculdades da alma Divina e as más faculdades da alma animalesca são igualmente emparelhadas num benoni. Cada qual dessas almas mantém sua força. Na batalha interna que é travada dentro do benoni, cada um desses lados tem igual poder.

As Conseqüências da Guerra

Quais são as repercussões da guerra interna que irrompe dentro de um benoni? No capítulo 12 do Tanya, Rabi Shneur Zalman delineia dois pontos definitivos em virtude dos quais as pessoas são classificadas em uma ou outra categoria:

1 – Qual inclinação – a boa ou a má inclinação – conseguiu dominar a pessoa e suas ações.

2 – De que maneira as inclinações em si são afetadas pela batalha interna.

Segundo os diversos graus de sucesso nestas duas áreas, poderemos entender as repercussões da guerra interna.

O mal dentro do benoni jamais dominará e subjugará sua alma Divina "de modo a vestir-se no corpo e fazê-la pecar" em pensamento, fala e ação. Pois assim que o desejo de pecar é sentido, ou maus pensamentos brotarem em sua mente, o benoni batalhará contra eles e simplesmente os rejeitará.

Além disso, este constante estado de guerra não enfraquece a alma Divina do benoni. Mesmo assim, o benoni não pode estar absolutamente certo de que as faculdades emocionais e intelectuais da alma Divina sozinhos permearão todo seu ser. Em tempos especialmente auspiciosos, como quando ele recita o Shemá ou a prece Amidá, a alma animalesca no benoni é subjugada e anulada até um determinado grau. No entanto, quando a hora da prece termina, o mal voltará novamente à sua força anterior. Os desejos pelos prazeres desse mundo são despertados, e a guerra começa novamente.

Sem Pecado

O Tanya define um benoni como alguém que jamais pecou, e jamais pecará. É uma pessoa que foi forte no passado e certamente não terá um lapso no futuro.

As duas partes dessa definição precisam de um esclarecimento: quanto à vida passada do benoni, sabe-se que o arrependimento pode elevar alguém que era um rasha ao nível de um tsadic.

Portanto ele certamente pode atingir o nível do benoni. Por que é necessário, então, declarar que o benoni jamais pecou? Além disso, a respeito de seu futuro Nossos Sábios declaram: "Não confie em si mesmo até o dia de sua morte!" (Avot 2,4). Como a história prova – havia aqueles que eram considerados como tsadikim perfeitamente justos que terminaram por se revoltar contra D’us e pecaram. E se um perfeito tsadic pode cair de seu nível, muito mais pode um benoni! Portanto, como podemos declarar com certeza que o benoni jamais pecará?

Parece que a intenção do Tanya ao definir um benoni como alguém "que nunca peca e jamais pecará" é a seguinte: Um benoni em seu estado atual, e em seu nível presente, não pode vir a transgredir. Seu arrependimento por sua conduta passada é tal que nenhuma impressão permanece de quaisquer transgressões que ele possa ter cometido. Pois se até mesmo a menor impressão de pecado permaneceu nele, é possível que um pecado traga outro consigo. Além disso, considerando seu futuro, o benoni não é como um rasha no qual existe o bem.

Pois ele é aquele que ainda é capaz de pecar, mesmo após arrepender-se. O benoni, desde que ainda seja um benoni, não é susceptível a transgredir a vontade de seu Criador, e ele tem a força para enfrentar qualquer obstáculo que possa cruzar seu caminho. Isso é também o que declara o Rambam: "Aquele que conhece os segredos de todos os corações atestará que tal pessoa jamais voltará a pecar." (Hilchot Teshuvá cap. 2,2).

Parte 41 – O Serviço do Coração



A prece pode ser examinada a partir de dois pontos de vista – do ponto de vista da Halachá e do ponto de vista dos ensinamentos chassídicos.

Há diferentes opiniões a respeito do status da mitsvá da prece. Segundo o Ramban (Nachmânides), a Torá obriga a pessoa a rezar e implorar a D’us quando se encontra em tempos difíceis; foram os Sábios que estabeleceram a mitsvá de rezar diariamente. Em contraste, o Rambam (Maimônides) é da opinião que a Torá exige que rezemos todos os dias, e os Sábios apenas estabeleceram o número e formato de nossas preces. Mesmo assim, segundo as duas opiniões, a essência da prece é o pedido do homem ao Eterno, bendito seja, para suprir nossas necessidades. Isso é expresso no Sefer HaChinuch da seguinte maneira: "A Torá ordena o homem a requisitar suas necessidades a D’us, pois esta é a oportunidade que o Mestre de todas as coisas deu ao homem para receber tudo que precisa."

Segundo a perspectiva da Chassidut Chabad, a essência da prece é totalmente outra questão. É o "serviço do coração." Este é um serviço de largo alcance, que vai muito além de pedir pelas necessidades de alguém, como saúde e sustento, de D’us. Ao servir a D’us por meio da prece, o homem conecta sua mente à grandeza do Criador, e seu coração é despertado no verdadeiro amor e reverência a seu Criador. Como resultado disso, seu estudo de Torá e seu cumprimento dos preceitos são muito mais elevados. Além disso, ele recebe a capacidade de purificar seus atributos emocionais inatos. O benoni que nunca cai no pecado, mas mesmo assim está bem consciente de sua má inclinação no decorrer do dia, consegue efetuar a subjugação e a anulação de sua alma animal até certo ponto, durante suas preces.

Um Tempo auspicioso

No décimo segundo capítulo do Tanya, Rabi Shneur Zalman explica que a hora de recitar o Shemá e a prece Amidá é um tempo em que "o Intelecto Celestial acima está num estado sublime. Como aqui em baixo, o tempo [da prece] é propício para todo homem" ascender a um nível espiritual mais elevado.

O versículo declara: "E quanto a mim, que minha prece a Ti, ó Eterno – seja numa hora propícia." Quando um judeu reza da maneira que deveria, transforma o tempo da prece numa hora propícia, quando D’us prontamente escuta sua prece. É nessa hora que "o Intelecto Celestial está num estado sublime" – pois os mundos celestiais estão iluminados com uma revelação da Divindade em maior extensão que a usual. Em geral, a radiância da Luz Infinita ilumina o mundo somente de maneira limitada, a fim de criar constantemente os mundos e sustentá-los. Isso é chamado de "luz imanente" na linguagem da Cabalá. Refere-se à força vital e energia de apoio que preenche e permeia os mundos. No entanto, na hora da prece, os mundos são iluminados com uma luz Divina ilimitada, que na terminologia cabalista é chamada de "transcendente", ou luz "toda abrangente".

O tempo para recitar o Shemá e a Amidá é também uma ocasião propícia para toda pessoa domar suas faculdades intelectuais "meditando profundamente sobre a grandeza do bendito Ein Sof – o Infinito. Esta é a intenção do primeiro verso do Shemá: "Ouve, ó Israel, o Eterno é nosso D’us, o Eterno é Um" que explica a mitsvá de unificar D’us. É nessa hora que uma pessoa pode conseguir, por meio da prece, "despertar um amor ardente [a D’us] na parte direita de seu coração." Esta é a instrução do versículo que se segue à mitsvá de unificar D’us: "Ama o Senhor teu D’us com todo teu coração…" Além disso, ele merece apegar-se a D’us através do cumprimento da Torá e mitsvot, com amor.

O mal dorme

O benoni utiliza por completo este tempo propício. Ele se esforça para despertar amor e reverência em seu coração, por meio da meditação. A luz de D’us o ilumina e ele consegue afastar a alma animalesca. Durante todo o período da prece, a alma Divina domina e tem soberania sobre a alma animalesca.

Durante a prece o benoni não está propenso a cair no pecado em pensamento, palavra ou ação. Além disso, ele consegue provocar a subjugação e a anulação das dez faculdades da alma animal. Como declara o Tanya, "o mal no lado esquerdo do coração está sujeito, e é anulado, perante a bondade que se espalha pelo lado direito de seu coração." Esta subjugação e anulação é expressa no fato de que a alma animalesca do benoni é também imbuída com amor a D’us na hora da prece. E portanto, a interpretação de Nossos Sábios sobre o versículo "Com todo o seu coração" – é cumprida, pois a pessoa passa a amar a D’us tanto com o yetser tov como com o yetser hará, como foi explicado no capítulo anterior.

Quanto àquelas más qualidades que se enraizaram na alma animalesca, e que o benoni não pode mudar, no capítulo 13 do Tanya Rabi Shneur Zalman explica que em virtude do amor a D’us que arde no coração do benoni na hora da recitação do Shemá, o mal simplesmente é colocado para dormir.

Até no auge de seu serviço a D’us, o benoni não consegue transformar as más faculdades de sua alma animalesca em santidade, ou afastá-las completamente. Tudo que ele pode fazer é colocá-las para dormir. Aqui um certo perigo espreita. Pois imediatamente após a prece, depois do tempo propício para subjugar a alma animalesca, o mal dentro dele pode mais uma vez retornar e ser despertado de seu sono. O benoni deve estar em alerta, no caso de que isso possa acontecer.

Parte 42 – Mantendo a Supremacia



Como um judeu classificado como benoni mantém sua supremacia sobre o mal dentro de si durante todo o dia, mesmo quando não está ocupado com o serviço do coração, que é a prece?

Na hora da prece, o mal dentro de sua alma animalesca "cochila", sabendo que não tem chance de atrair a atenção do benoni. O yetser hará não incomoda o benoni nesta hora. No entanto, após a hora da prece ele não é irradiado pela iluminação elevada que emana do Intelecto Celestial, que é revelado na hora da oração. Embora o amor ardente tenha ocupado o coração do benoni durante a prece, depois desta hora somente o aspecto do amor chamado ahavah mesuteret – "amor oculto" – permanece em seu coração. Este amor oculto não se manifesta como um desejo ardente de apegar-se a D’us. Em vez de ser apaixonado e exigente, é tranqüilo e plácido. Além disso, este amor oculto não preenche completamente o lado direito do coração do benoni. É como se o seu coração estivesse apenas incrustado com amor. Ou seja, somente uma fina camada de amor pavimenta seu coração, por assim dizer. Não é surpresa, portanto, que depois que termina a hora da prece o benoni volte a seu status espiritual original. O mal retorna e é despertado com força total, desejando as coisas desse mundo e seus prazeres. Como então o benoni recupera o domínio sobre ele, depois da hora da prece?

Sem ficar desnorteado

Está claro que não há um único remédio para esta situação. A cura adequada depende de diversos fatores. Num sentido geral, devemos fazer a distinção entre alguém cujas preces deixam uma impressão duradoura sobre ele, e alguém cujos sentimentos exacerbados vivenciados durante a prece desaparecem sem deixar nele uma impressão duradoura. Além disso, devemos levar em consideração o fato de que toda pessoa tem muitos e variados poderes e habilidades. Claramente, quando desejamos curar as doenças da alma, devemos estar completamente familiarizados com todas as enfermidades e suas variações que afetam a alma.

Os desejos físicos da alma animalesca são despertados involuntariamente. Não está ao alcance da pessoa comum prevenir o surgimento de paixões e desejos. Portanto, o benoni não deveria ser confundido ou ficar ansioso pela presença de hóspedes indesejados – o despertar dos desejos de seu coração, ou o surgimento de maus pensamentos em sua mente. Entre o despertar da paixão, ou o surgimento de pensamentos alheios, e cair realmente em pecado, há uma grande distância. O Tanya explica a razão para isso: "O mal de sua alma animalesca não tem a única autoridade e domínio" sobre a pessoa. Sua alma Divina também tem sua vez. Desde que a pessoa não execute voluntariamente os desejos que são despertados dentro de si, em pensamento, palavra ou ação, não pode haver reclamações contra ele, e nenhuma punição pode ocorrer. Também não pode ser chamado de perverso.

A mente governa o coração

O benoni, de quem a impressão das preces passa e desaparece, pode ainda adquirir o domínio sobre sua má inclinação durante o dia, após a hora da prece. Mas para isso ele exige especial ajuda do Alto, como está explicado no capítulo 13 do Tanya.. Em contraste com ele está o benoni no qual a impressão da prece realmente permanece. O último é capaz de enfrentar o despertar de seus desejos em virtude do inato poder de sua mente para governar o coração, como está explicado no 12º capítulo do Tanya – "pois o homem foi assim criado a partir do nascimento, e toda pessoa consegue, com o poder da vontade em seu cérebro, restringir-se e controlar a ânsia dos desejos de seu coração, impedindo que estes desejos se expressem em pensamento, palavra ou ação."

Nos animais de quatro patas a cabeça, o coração e o fígado estão todos no mesmo nível. Em contraste, o homem foi criado para caminhar sobre dois pés numa postura ereta – seu coração está acima do fígado, e o cérebro acima do coração. Isso também é simbólico do status espiritualmente superior da mente.

Embora em muitos casos a supremacia da mente sobre o coração seja expressa por meio do intelecto e da racionalização, está claro que quando a paixão arde dentro da pessoa, esta não consegue convencer sua má inclinação usando explicações lógicas. Ao contrário, ele precisa ativar "o poder da vontade em seu cérebro" para restringir e controlar os desejos de seu coração.

Deve-se destacar que a supremacia da mente sobre o coração é um fenômeno natural. Esta é a maneira pela qual o homem foi criado. "Todo homem é capaz de utilizar o poder da vontade em seu cérebro para conter-se e controlar a ânsia dos desejos de seu coração." Ele possui a capacidade de controlar os desejos do coração em ação, na fala e até mesmo no pensamento. De fato, a supremacia da mente sobre o coração aplica-se a todos os aspectos da vida. E quando o equilíbrio das almas Divina e animalesca foi mudado em favor da alma Divina, e a alma animalesca é impedida de expressar seus desejos, há um fator adicional que ajuda o benoni. Este é a supremacia da luz sobre as trevas, a supremacia da santidade sobre a kelipa, e a supremacia da alma Divina, que reside em seu cérebro, sobre a alma animalesca que reside em seu coração.

Parte 43 – O Resultado da Guerra



O Talmud declara que os justos são julgados pelo yetser hatov, a boa inclinação, e os perversos pelo yetser hará, a má inclinação. Aqueles ao nível de benoni "são julgados por ambos". No capítulo 13 do Tanya, Rabi Shneur Zalman explica que Nossos Sábios usaram a expressão "juízes" e "julgamento" para nos dar uma descrição precisa da maneira pela qual estas duas inclinações funcionam no homem.

As inclinações no homem não são como ditadores que têm autoridade absoluta sobre a "cidadezinha", onde cada expressão da vontade é na realidade um comando a ser cumprido. Ao contrário, cada inclinação é simplesmente "um magistrado ou juiz que expressa sua opinião no assunto sendo examinado. Cada juiz, mesmo que seja uma opinião solitária, deve explicar seu argumento. Pois dessa maneira é possível que ele convença seus colegas de que sua opinião está correta, e eles aceitem seu ponto de vista. Mesmo assim, cada juiz está consciente de que sua opinião não é necessariamente definitiva, pois é possível que o veredicto seja de acordo com os outros juizes, cujo privilégio é discordar dele.

Segundo esta analogia, podemos entender que as ações de uma pessoa não dependem de suas inclinações, pois elas não podem forçar suas opiniões sobre ele. Podem apenas mostrar-lhe seus respectivos pontos de vista. Há também outros fatores que influenciam uma pessoa, e pode ser que estes estabeleçam o caminho que ele seguirá.

A natureza da batalha

A declaração de Nossos Sábios de que um benoni é julgado pelas suas duas inclinações sugere que o conflito entre as inclinações existe somente num benoni, pois o tsadic exterminou seu yetser hará e somente o yetser hatov pronuncia seu julgamento. Ele não tem motivações contraditórias. Exatamente da maneira oposta, um rasha que está perto do pecado, ouve somente a opinião de seu yetser hará.

No benoni, porém, há duas opiniões opostas sendo expressas. Apesar disso, na guerra entre as inclinações de uma pessoa não há discussão ou briga entre elas. Também não há qualquer concessão. A alma Divina jamais concordará com os maus aspectos de sua alma animalesca, e da mesma forma, o mal de sua alma animalesca não aceitará a opinião do bem de sua alma Divina. Cada uma das duas almas tenta sobrepujar sua colega, e convencer a pessoa a realizar seu desejo específico.

Na luta das inclinações num benoni, a má inclinação expressa sua opinião no lado esquerdo do coração, e consegue despertar os desejos adormecidos da alma animalesca residindo no coração. Como resultado, pensamentos de pecado sobem do coração para o cérebro, para serem avaliados. No entanto, "ele é imediatamente desafiado pela alma Divina [que reside] no cérebro, que se expande até o lado direito do coração onde mora o yetser tov."

Assim, o benoni recebe opiniões opostas. Após cada uma dessas ter sido ouvida, é necessário arbitrar entre elas. Esta decisão é obviamente um estágio mais avançado no processo inteiro da ação precedente.

Como é Tomada a Decisão?

Nem todos os benonim podem ser classificados numa só categoria, embora seja verdade que, na hora da prece, o amor a D’us arda como uma chama de fogo no coração de todo benoni, e o mal dentro dele adormeça. No entanto, após a hora da prece, existem aqueles cuja prece deixa neles uma impressão duradoura por todo o dia, como se gravada no cérebro, pois eles rezaram apropriadamente, ao passo que com outros a impressão de suas preces desaparece logo em seguida.

Agora, o precedente tipo de benonim consegue sobrepujar os desejos de sua má inclinação através da vontade no cérebro, "pois o homem assim foi criado desde o nascimento, e toda pessoa pode, com o poder da vontade em seu cérebro, restringir-se e controlar a ânsia dos desejos de seu coração, impedindo que estes desejos se expressem em ações, palavras e pensamentos." A segunda categoria de benoni, no entanto, deve confiar na ajuda do Alto para ativar o poder da vontade no cérebro, para que eles possam realmente decidir em favor do yetser hatov. Como disseram Nossos Sábios: "Não fosse a ajuda do Todo Poderoso, ele não conseguiria dominá-lo [o yetser hará]."

A essência desta ajuda do Alto é explicada por Rabi Shneur Zalman como sendo "o brilho da luz Divina que ilumina sua alma Divina, para que esta possa adquirir superioridade sobre as tolices do 'tolo', a má inclinação, como a superioridade da luz sobre a escuridão". Nossos Sábios declaram que, "uma pessoa não transgride, a menos que o espírito da tolice entre nela." Os ensinamentos chassídicos explicam de maneira mais profunda. Para assegurar que suas reações e posição estão corretas, a pessoa deve adquirir o entendimento e opinião adequados, pois "onde não há conhecimento, como pode haver distinção entre uma coisa e outra?" Aquele que está determinado a não cair no pecado, mas cujo status espiritual do momento é que sua mente ainda não domina seu coração, é auxiliado pelo Eterno, bendito seja, que lhe fornece a perspectiva apropriada, pela qual ele pode distinguir entre a luz e a escuridão, e caminhar ao longo da trilha correta do serviço Divino.



Parte 44 – Reação Adequada



Quando se empreende uma guerra de maneira inteligente, reações adequadas são de grande importância. É desnecessário usar todas as armas à disposição em todos os embates com o inimigo. A pessoa deve estar consciente das qualidades e habilidades de seu inimigo. Deve saber em qual posição ela própria se encontra, e quais as armas que tem à sua disposição. Além disso, deveria saber o que o inimigo gostaria que ele estivesse fazendo a qualquer hora.

Na guerra interna de almas dentro de uma pessoa, é lógico afirmar que o yetser hará conhece muito bem seu propósito. Ele não surge em todos com o mesmo objetivo, nem com a mesma força. No "tsadic em quem existe o mal", por exemplo, o yetser hará não tem efeito algum, e se ele aparece é apenas para demonstrar sua presença, de modo fugidio. No perverso, porém, o yetser hará aparece com a clara intenção de fazer a pessoa cair em pecado. Quanto ao benoni, para quem a transgressão é praticamente impossível, o yetser hará aparecerá esporadicamente, e também tentará empurrá-lo ao pecado. Em outras ocasiões ele aparecerá apenas para incomodá-lo e perturbá-lo em seu serviço a D’us.

Desejos Mundanos

Os desejos despertados em um benoni estão geralmente em todos os aspectos da vida, e incluem desejos tanto por coisas permitidas quanto proibidas. Num sentido mais amplo, não há grande diferença entre o desejo por coisas permitidas e o desejo por coisas proibidas, pois o primeiro também tem aspectos negativos. Apesar disso, o despertar de desejo no benoni por coisas permitidas o afeta de tal maneira que ele deseja realizar seus desejos, ao passo que a aspiração do yetser hará por coisas proibidas depende do presente nível espiritual do benoni. Se ele rezou corretamente e permanece uma impressão de sua prece em seu cérebro, os desejos serão despertados apenas para incomodá-lo e confundi-lo. Se ele não rezou como era exigido dele, o desejo pelas coisas proibidas será despertado para fazê-lo pecar.

Fica claro que qualquer que seja a aspiração da má inclinação da pessoa, do ponto de vista prático, assim que o mau pensamento subir de seu coração para a mente, o benoni o jogará fora com as duas mãos, por assim dizer, e não o receberá de boa vontade. Aqueles desejos que são despertados sem ter sido convidados a entrar, o benoni não os considerará voluntariamente. Ele certamente não pensará em agir de acordo com seus maus pensamentos, "pois aquele que voluntariamente condescende em tais pensamentos é considerado um rasha naquele momento, ao passo que o benoni jamais é perverso, nem por um único momento."

Entre o homem e o homem

As mitsvot entre o homem e o homem pertencem tanto à Lei de D’us quanto as mitsvot entre o homem e D’us. Aquele que as transgridem não é diferente daquele que transgride qualquer outro mandamento. Portanto, também nessa área, quando algum aspecto de animosidade, ódio, inveja, fúria ou de queixa surge, D’us não o permita, o benoni imediatamente o jogará fora, e não o aceitará voluntariamente em sua mente e vontade.

Se o amigo de alguém o insultar, a Torá proíbe vingar-se ou guardar mágoa. Ao final do capítulo 12 do Tanya, Rabi Shneur Zalman nos informa quais deveriam ser as reações adequadas da pessoa. Até mesmo aqui a mente deve governar e dominar os sentimentos do coração. Embora isso seja difícil, ele deve tratar seu amigo exatamente da maneira oposta ao tratamento recebido. Deve agir com demonstrações de bondade e amizade. Praticamente, não apenas ele deve suportar o insulto e a injúria extremos sem ficar irado, D’us não o permita, como deve também não retribuir ao outro na mesma moeda. Além disso, ele está obrigado a fazer favores aos ofensores. Este é o conselho que o Zohar aprende da conduta de Yossef para com seus irmãos.

Os irmãos de Yossef esperaram que ele reagisse segundo o padrão normalmente aceito, e se vingasse pelo que eles lhe fizeram. Mas Yossef explicou a eles: "Embora vocês pensassem mal de mim, D’us calculou isso para o bem, para assegurar que um grande número de pessoas sobrevivesse." Segundo a opinião de Yossef, não apenas os irmãos não deveriam ser punidos, como na essência mereciam recompensa, "medida por medida", pois, "Eu cuidarei do sustento seu e de seus filhos!" Os irmãos pretendiam que suas ações tivessem conseqüências completamente diferentes, porém o resultado final foi positivo. Em termos do verdadeiro resultado final, então, que na verdade foi positivo, eles mereceram recompensa em vez de castigo.

"Tudo que o Eterno faz é para o bem" – declara o Talmud. Acreditamos que tudo que D’us faz é para o bem. Portanto, mesmo que uma pessoa cause danos a outra, sejam ou não intencionais, está claro que sua missão em última análise vem de D’us , e é para o bem! Aprendamos a reagir adequadamente.

Parte 45 – Enganar a Si Mesmo



Antes de uma criança nascer neste mundo, sua alma é obrigada a fazer um juramento de que será um tsadic. Para isso, a alma é nutrida e saciada com os poderes espirituais que lhe possibilitarão cumprir a missão para a qual ela desceu ao mundo físico. A esse respeito, nossos Sábios oferecem conselhos indispensáveis: "Mesmo que o mundo todo diga que você é um tsadic, seja como um perverso a seu próprio ver."

Desta declaração, entendemos que mesmo se todos aqueles a examinarem a conduta de alguém chegarem à conclusão que é um tsadic, ele, pessoalmente, não deveria enganar-se e aceitar isso como verdade. Além disso, mesmo que ele próprio tenha considerado a maioria de seus atos como "afastando-se do mal e fazendo o bem", e pareça a ele que é de fato um tsadic, não deveria permitir que este conhecimento crescesse até ficar fora de proporções. Em vez disso, deveria ser "como se fosse um perverso em sua própria opinião". Não, D’us não o permita, que ele seja de fato um perverso, pois se ele sentir que é perverso, isso o fará com que se torne deprimido. Deve ser apenas como se ele fosse perverso em sua própria estimativa. Esta descrição se apropria a uma pessoa cuja conduta é boa, mas cujo ser interior é bastante similar ao de um perverso. Ou seja, o benoni.

O Inimigo se Fortalece

Parece lógico afirmar que o benoni que ainda não conseguiu destruir seu yetser hará é obrigado a ficar num estado de eterno alerta. Embora ele tenha triunfado sobre seu yetser hará, e tenha conseguido deixá-lo de lado, não há prova de que o mal dentro dele esteja ao menos parcialmente anulado. A pessoa comum que levanta pela manhã, reza e separa um tempo para estudar, e depois vai para seu negócio – tal pessoa deveria estar cônscia de que, mesmo que domine o mal dentro de si, mesmo assim este permanece no lugar e conserva sua força original. Não é apenas que o mal ainda espreita no lado esquerdo de seu coração. Sua atividade é extensiva em despertar desejos de todos os tipos de prazeres mundanos. Qualquer falta de atenção às verdadeiras capacidades de seu inimigo é passível de resultar em desastre. Qualquer auto-engano em avaliar o próprio nível espiritual pode provocar uma cessação do estado de guerra, e a pessoa estará inadequadamente preparada. Os resultados dessa negligência não precisam de explicação.

No capítulo 13 do Tanya, Rabi Shneur Zalman explica que uma pessoa precisa estar consciente de que embora possa conseguir superar o mal dentro de si todas as vezes, mesmo assim é possível que com a passagem do tempo o mal dentro dele fique mais forte e mais poderoso. De fato, isso ocorre de maneira natural e sem sofisticação – com uma pessoa ativando seus maus impulsos por meio de excesso de comida e bebida, e outros prazeres desse mundo.

A idéia acima mencionada é de fato um princípio geral. Assim como uma faculdade física que é constantemente exercitada desenvolve-se e se fortalece, assim também com as faculdades espirituais da pessoa. Além disso, é irrelevante para qual propósito elas são usadas. Quando são usadas, elas se fortalecem. Em nosso caso, a pessoa deve saber que estudar Torá e cumprir os preceitos não têm o poder de impedir a alma animalesca de desenvolver-se e ficar mais forte pelo constante uso em conceder suas necessidades físicas como comer, beber e similares. E um lutará contra o outro

Segundo o Tanya, mesmo aqueles que dedicam toda sua vida ao serviço espiritual não estão protegidos ou imunizados contra as forças da alma animalesca. Nem mesmo aquele que deseja a Torá de D’us, que estuda dia e noite por seu próprio mérito, não tem provas de que o mal foi desalojado. É importante enfatizar que embora a alma animalesca esteja propensa a consentir na conduta de eruditos, não tendo escolha neste assunto, a luz da Torá e todas as revelações celestiais que são atraídas por meio deste aprendizado afetam apenas sua alma divina que é parte de D’us aqui em baixo. Não possuem influência alguma em sua alma animalesca, no entanto, que permanece fiel a sua própria vontade e aspirações.

Mesmo um benoni que reza o dia inteiro, ou seja, ele experimenta a sagrada vitalidade de suas preces durante todo o dia, deveria também estar consciente de que o mal dentro de si está apenas "adormecido" durante o dia, mas que não foi completamente eliminado de dentro dele. Quem pode saber se o yetser hará pode irromper com novas energias se for despertado, assim como Yaacov e Essav sobre quem a Torá afirma: "E um lutará contra o outro." Eles não se igualarão em grandeza, e quando um subir o outro cairá. Isso aplica-se também à guerra das almas no serviço espiritual de uma pessoa. No auge de seu status de elevada espiritualidade, uma pessoa deve levar em consideração que embora o yetser hará esteja de fato num estado de fraqueza na hora da prece, mesmo assim, depois da hora da prece é provável que desperte outra vez. Então brotará renovado e revitalizado por seu repouso!

Parte 46 – O Verdadeiro Serviço



A prece é o tempo que a pessoa devota diariamente ao serviço do coração. O Tanya examina as realizações do benoni durante sua hora de prece, e analisa a guerra que ele empreende contra sua alma animalesca durante todo o dia. Ao final do capítulo 13 do Tanya, Rabi Shneur Zalman faz uma pergunta: Como entendemos as realizações de um benoni? Sua alma Divina conseguiu apenas temporariamente sobrepujar a alma animalesca. E o que fazemos com o amor que o benoni sente na hora da prece, mas que depois passa? Perante nós está uma pessoa que, apesar de todos seus esforços, consegue servir a D’us apenas temporariamente. O que se pode dizer sobre seu serviço? Sua devoção a D’us é genuína e sincera, ou é imperfeita desde o início, ou talvez até artificial ou falsa?

Antes de discutir esse assunto, vamos primeiro definir os conceitos verdade e falsidade. A palavra "verdade" denota um estado imutável, ao passo que "falso" expressa a idéia de instabilidade e mudança. Um estado intermediário é expresso pela palavra "cazav" que poderia ser traduzida como "tortuoso". Isso expressa uma situação intermediária que não é propriamente enganar, nem é exatamente verdade no sentido de ter continuidade eterna. Assim, podemos reformular todas as questões acima, e fazer apenas uma pergunta abrangente – nesta hierarquia de níveis, onde se pode encontrar o benoni?

Comparado a um Tsadic

Fica claro pelas palavras do Tanya que avaliar as realizações de uma pessoa depende da perspectiva da qual as examinamos. Nós comparamos seu sucesso com aqueles que são mais bem sucedidos que ele, ou ao contrário, nós o medimos segundo as condições e posição atuais nas quais o encontramos?

Os tsadikim servem a D’us em perfeita verdade, como se eles e D’us fossem verdadeiros irmãos. O amor entre eles é permanente, e está tão profundamente enraizado que parece ser inato e perfeitamente natural, sem qualquer necessidade de ser despertado. Esta é a natureza de um tsadic. Quanto à alma Divina de um tsadic, sua ânsia em se fundir com a luz de D’us é assombrosa. Constantemente, todos os dias ele anseia que sua existência seja anulada perante seu Criador. Sua alma expira num desejo profundo de se unir a D’us. Um tsadic não precisa de meditação ou qualquer outro preparativo da alma para despertar seu amor a D’us.

Fica claro que em comparação com um tsadic, o amor a D’us do benoni, que arde em seu coração como uma chama na hora da prece, não é de forma alguma chamado verdadeiro serviço, pois é apenas um deleite passageiro que desaparece após a prece. A esse respeito, o versículo em Mishlê declara: "A linguagem da verdade será estabelecida para sempre", significando que se algo é totalmente verdadeiro, não passa por nenhuma mudança, sendo imutável. Mas o versículo continua: "A língua da falsidade é apenas momentânea", significando que coisas temporárias e passageiras não são consideradas como "verdadeiras", pois a falsidade não tem permanência ou um apoio firme.

Em relação a si mesmo

Se, no entanto, examinarmos o status do benoni no que tange à sua situação pessoal, e avaliarmos o grau de sua alma Divina quando comparado com o estado de sua alma animalesca enquanto esta está dentro dele, podemos dizer sem sombra de dúvida que sua prece deveria ser considerada perfeitamente verdadeira e o serviço completo para ele – para o benoni. Sim, se um tsadic tivesse de atingir através de suas preces apenas o nível de amor a D’us do benoni, isso seria considerado como uma séria deterioração de seu elevado nível espiritual, e poderia até ser considerado literalmente como falso serviço para ele. Mas para o benoni em seu nível, e em relação apenas a si mesmo, suas realizações são completamente virtuosas. Além disso, até quando comparado a um tsadic, não podemos zombar das conquistas do benoni e elas devem ser consideradas pelo menos relativamente verdadeiras, a "linguagem da verdade".

Um tsadic é alguém que transformou sua alma animalesca em santidade, ou tirou por completo o mal dentro de si. Se seu amor a D’us desaparecesse depois da prece, seria de fato um sinal de que, desde o início, não era um amor puro e completo. Era "falso" desde o início. O surgimento de amor em um benoni, e seu desaparecimento depois da prece, não deveriam ser vistos como um defeito inerente, mas sim como uma imperfeição que flui de um fator incidental – da alma animalesca que reside nele com todo poder e força. Conseqüentemente, a conquista do amor a D’us durante a prece deve ser considerado como completamente virtuoso, segundo o nível do benoni. Ou seja, apropriada à qualidade e nível de sua alma.

Além disso, é incorreto dizer que após a prece o amor a D’us que o benoni sentiu durante a oração desaparece completamente. É verdade que ele não está consciente desse amor. Não está revelado em seu coração. Mesmo assim, permanece dentro dele como uma capacidade de amar, oculta nas profundezas de sua alma. Está no poder de sua vontade despertar esse amor e levá-lo de um estado potencial até a ação. Vemos então que o amor que impregna o benoni durante a prece é sempre considerado – por ele – como a "linguagem da verdade".

Parte 47 – Falando ao Coração



O Midrash declara que homens perversos são governados pelo coração, ao passo que os justos governam o próprio coração. Os tsadikim transformaram o poder do desejo de sua alma animalesca, e a domaram para assuntos sagrados. Eles estão no controle de seu coração. Em contraste, o perverso no qual "o coração deseja e os membros completam o serviço", não têm controle sobre o coração. De fato, o oposto é verdadeiro – eles são controlados pelos desejos de seu coração.

O benoni se encontra numa posição intermediária entre essas duas. Ele não governa seu coração na mesma extensão que o tsadic, pois os desejos mundanos ainda ardem dentro dele. Por outro lado, ele não é como o perverso, subserviente aos desejos de seu coração. A mente do benoni governa seu coração, e se ele for constante em seu serviço, o Eterno, bendito seja, o ajuda. No entanto, ele depende completamente da reação inicial do benoni. Quando seu coração deseja e anseia por algum prazer material, ele volta-se para si mesmo, por assim dizer, e diz de maneira breve e forçada: "Não desejo ser um rasha, sequer por um instante."

Argumentos Convincentes

Um benoni tem muito medo de transgredir. A explicação disso é lógica e simples. Ele diz a si mesmo: "Sob nenhuma circunstância eu desejo ser afastado do único D’us; como está escrito: "Teus pecados te separam [de D’us]".

Não é que o benoni se assuste com as punições que resultariam da transgressão. Ele também não explica a si mesmo que o momento da transgressão constitui um motim contra a autoridade do Criador, pois o pecado se opõe à Sua sagrada vontade. Ao contrário, ele se abstém de transgredir porque o próprio fato de que isso cria uma "cortina de ferro" que o separaria de D’us. Esta separação duraria por um período muito longo, e teria muitas conseqüências negativas. Quando os desejos do mal são expressos em pensamento, palavra ou ação, envolvem sua alma em vestes impuras. Estas vestes o impediriam de amar a D’us, e de ficar em reverência perante Ele. Estes atributos não iluminariam sua alma. O cumprimento de qualquer preceito atrai a Divindade Celestial, e aquele que cumpre a mitsvá merece uma revelação da Divindade. Em contraste, a pessoa que fez com que sua alma fosse maculada por meio das kelipot impuras não é um recipiente adequado para atrair e absorver esta Divindade Celestial.

Além disso, o benoni até explica para si mesmo seu poderoso desejo de unir sua nefesh, ruach e neshamá com D’us. Apegar-se a D’us dessa maneira (devekut), é possível somente quando o pensamento, fala e ação são ativos na Torá e mitsvot. Seu cumprimento da Torá e mitsvot flui de seu amor a D’us, do amor oculto que é encontrado inerentemente no coração de cada judeu. Ponderar a essência da transgressão e suas conseqüências negativas dá-lhe força para não cair no assunto de cometer falhas. Ao expressar melhor sua vontade a seu coração, um benoni dá a si mesmo a força para não falhar em seu cumprimento de mitsvot.

Aprendendo com quem não tem mérito

É um fenômeno interessante que às vezes deparamos com pessoas que conseguiram evitar graves transgressões, e que conseguiram até passar por diversos testes, porém violaram alguns preceitos menos importantes.

É explicado na Chassidut que o poder do auto-sacrifício (mesirut nefesh) – a disposição de sacrificar-se pelo mérito da Torá e mitsvot – é encontrado em todo judeu, mesmo naqueles que são classificados como os menos merecedores. É somente porque o espírito da insensatez entra nele que ele peca. Quando o espírito da insensatez domina uma pessoa, esta não sente a beleza de ser judeu, e não compreende a perda que sofre quanto se afasta de D’us. Através desse espírito de insensatez o pecador imagina que uma transgressão mínima não afetará seu judaismo, e que sua alma não será separada, portanto, do D’us de Israel. Assim, não há nada que o previna agora de cair em transgressão. Além disso, o espírito da insensatez também o faz esquecer seu amor oculto a D’us. E agora não há nada para persuadi-lo a fazer o bem. Dessa maneira, seu desejo inato de apegar-se a seu Criador começa a falhar, como uma vela tremulante.

Nossos Sábios declaram em Avot: "O homem sábio é aquele que aprende com todos os homens." Ao comparar os poderes interiores da alma, mesmo do judeu menos merecedor, com sua própria conduta, o benoni extrai uma porção dupla de instrução moral.

"Certamente não sou inferior a ele" – diz para si mesmo, referindo-se a um judeu não-merecedor. "Não sou inferior no que diz respeito ao amor oculto que é inerente no coração de todo judeu, e que insiste para que sacrifique sua alma a fim de santificar o Nome de D’us, e não ficar separado de seu Criador. E eu certamente não pecarei e não farei aquilo que possa provocar minha separação de Sua unidade abençoada. Embora um judeu não-merecedor possa cair em pecado, eu não desejo ser tolo como ele e negar a verdade. Sei da gravidade da transgressão e não serei tolo a ponto de ser enganado por isso."

Esta firme decisão dá ao benoni o poder de enfrentar os desejos de seu coração, e evitar transgredir com qualquer uma das três "vestes" de sua alma – pensamento, palavras ou ação.

Parte 48 – O Amor a D’us



O amor a D’us é uma das mais maravilhosas expressões de proximidade do homem com seu Criador. Nos ensinamentos da Chassidut de Chabad o amor a D’us não somente é um ideal encantador, como também um tema amplo que pode ser estudado e tornado real. Se isso for feito, todos os aspectos da vida judaica adquirem um significado novo e mais elevado.

Existem muitos níveis e gradações diferentes no amor a D’us. A diferença entre eles é distinguível tanto na qualidade e aspiração desse amor, quanto nos vários fatores causativos pelos quais a pessoa é despertada ao amar a D’us. De maneira geral, todos os aspectos do amor podem ser divididos em duas categorias. Um tipo de amor é: amor "como um fogo ardente" que a pessoa atinge por meio de seu próprio serviço Divino. Este amor é comparado ao fogo, pois a natureza do fogo é elevar-se, de baixo para cima. O segundo tipo de amor, o amor "como água" é o amor a D’us que é concedido como um presente do Alto. É derramado do Alto exatamente como água que flui para baixo.

"Fogo Ardente" e "Deleites"

Nos primeiros catorze capítulos do Tanya, Rabi Shneur Zalman examina três tipos de amor. Estes são chamados "amor como uma chama ardente" (ahavá k'rishpei eish), "deleite amoroso" (ahavá beta'anugim), e "amor oculto ou escondido" (ahavá mesuteret), ao qual se refere também como "inato" ou amor "natural".

Uma pessoa atinge o nível de "amor como uma chama ardente" como resultado de meditar sobre sua distância de D’us. Como alguém que anseia pela água que está a uma grande distância, esta contemplação desperta na pessoa uma grande sede, e uma ânsia da alma em busca de D’us e por toda questão pertinente ao sagrado. Este nível de amor não é apenas de um afortunado punhado de santos e justos tsadikim, mas é atingível por todas as pessoas. Especialmente durante a prece – a hora auspiciosa em que toda pessoa pode conectar os poderes de sua mente a seu Criador, meditando sobre a grandeza do Eterno, bendito seja – que este amor pode ser vivenciado.

Como bem sabemos, em cada judeu habitam duas almas, duas fontes de consciência e motivação. Estas são chamadas de alma Divina e alma animalesca. O amor "como uma chama ardente" é uma das emoções da alma Divina. Quando este amor arde na alma de um homem, efetua uma subjugação da alma animalesca, mas não sua transformação. Um pouco do amor a D’us da alma Divina passa para a alma animalesca, colocando seus poderes do mal para dormir, mas não consegue causar uma mudança fundamental na alma animalesca.

O nível de "amor como uma chama ardente" está ao alcance do benoni, e além disso é particularmente apropriado a seu Divino serviço. O nível de "deleite amoroso" é o presente que é concedido aos tsadikim. Com este amor, um tsadic merece chegar ao nível de deleite em D’us, que é similar àquele que será vivido no Mundo Vindouro. Como um homem sedento que encontra água e se delicia ao matar sua sede, assim é este "deleite amoroso" do tsadic. Sentindo-se próximo do Criador, ele sente grande deleite e um elevado júbilo da alma. Quando o tsadic atinge este nível de amor, ele consegue livrar-se das vestes maculadas pelos prazeres materiais do mundo com as quais estava vestido. Além disso, está em seu poder transformar a força do desejo de sua alma animalesca em bem, e ele a domina e a direciona somente para os assuntos sagrados.

O Amor oculto

Uma das qualidades superiores inerentes no coração de todo judeu é o tipo de amor denominado "amor oculto". Este amor não é criado pelo serviço Divino do homem. Também não é formado por seus esforços intelectuais de contemplação. É simplesmente inato no coração de todo judeu em virtude de ser um herdeiro dos Patriarcas Avraham, Yitschac e Yaacov. No entanto, como está oculto, às vezes é necessário despertá-lo por meio do tipo apropriado de meditação.

Este "amor oculto" não pode ser extinto por preocupações financeiras (ou outras). Além disso, uma abundância de fartura física e prazeres materiais não podem influenciá-lo na direção do mal, nem enfraquecê-lo. Assim como o amor de uma pessoa por si mesma não é um produto de seu intelecto, assim também este amor oculto é inato e natural, e está acima da lógica e do intelecto racional. Através do poder deste amor, todo judeu deseja naturalmente apegar-se a D’us, e passará até mesmo pelo martírio para santificar o nome de D’us, se for forçado a separar-se de seu Criador.

Este amor e o poder do auto-sacrifício que ele acarreta é encontrado igualmente em todo judeu. É este amor que ajuda e apóia o benoni no decorrer do dia, mesmo quando ele não está envolvido no serviço da prece. Este amor o ajuda a sobrepujar o yetser hará que o perturba, e ele consegue afastá-lo de si. Até o judeu com menos mérito e os pecadores de Israel, cujo amor natural e inato por D’us foi escondido e coberto pelo espírito de tolice a ponto de este fazê-lo tropeçar e cair em pecado – até mesmo nestas pessoas este amor existe de maneira oculta, e reside dentro delas num estado potencial. A prova disso é que se forem forçados a fazer algo que claramente os separa de seu Judaísmo, imediatamente sacrificarão a própria vida para evitar fazê-lo.

Parte 49 – Duas Missões



O Eterno, bendito seja, criou Seu mundo de tal maneira que tudo nele exige retificação e aperfeiçoamento, como declaram Nossos Sábios no versículo: "Que D’us fez para fazer" – ou seja, para retificar. É explicado na Chassidut que a palavra "olam" (mundo) deriva da palavra "haelem", que significa ocultação. Assim, o mundo foi criado de tal maneira que a luz Divina da Criação está oculta dentro dele. Esta ocultação é tão poderosa que a escuridão (num sentido espiritual) reina no mundo. Além disso, é um mundo de escuridão dobrada e redobrada. Nele são encontradas as kelipot e poderes profanos (aos quais a Cabalá se refere como os poderes de sitra achara, o "outro lado"), que são literalmente contra D’us. O Eterno, bendito seja, deu ao homem a missão de retificar esta situação. Dessa maneira, ele merece ser um parceiro na criação do mundo.

Obras cabalistas explicam que a Divina luz pode permear o mundo em uma de duas maneiras: Uma, através do serviço de subjugar a sitra achara, e segundo, "transformando a escuridão em luz". Nos capítulos 14 e 27 do Tanya, Rabi Shneur Zalman explica que estes dois tipos de serviço, e o resultado que eles obtêm, são duas missões na vida, a primeira das quais é o dever do benoni cumprir, e a segunda é realizada pelas almas dos tsadikim.

A tarefa de acordo com a capacidade

Todo homem recebeu o livre arbítrio. Este é um princípio fundamental do pensamento judaico. Toda pessoa, independentemente do tipo e qualidade de sua alma, pode escolher o bem ou, D’us não o permita, o mal, e pode até tornar-se um completo rasha. No entanto, aquilo que a pessoa pode vir a conseguir ao escolher o bem, depende da qualidade e tipo de sua alma. Existem aquelas almas que receberam a tarefa de provocar a total anulação do mal, e a transformação da escuridão espiritual na luz da santidade. Quando estas almas foram criadas, foi decretado que se elas escolhessem o bem e realizassem tudo que estivesse ao seu alcance realizar, receberiam do Alto o dom do "deleite amoroso". Este maravilhoso amor de D’us, no qual a pessoa despreza totalmente o mal, transforma os poderes do mal da alma animalesca dentro dele em faculdades sagradas. Embora superficialmente possa parecer que os trabalhos desta pessoa influenciam apenas a ela própria, na verdade suas ações têm ramificações e conseqüências, que afetam o mundo inteiro.

Existem outros tipos de almas cuja missão neste mundo é subjugar os poderes do mal. Foi decretado que estas almas estarão constantemente em guerra contra o yetser hará, a fim de conquistá-lo e derrotá-lo. No entanto, alguém que tenha este tipo de alma não pode esperar que seu yetser hará deixe de atormentá-lo, embora tenha lutado uma batalha contra ele. Além disso, ao contrário de um tsadic, ele não tem esperança de receber o elevado nível de amor denominado 'deleite amoroso" como um presente do Alto. Pois a maneira de o benoni atrair santidade e este mundo é subjugando seu yetser hará.

Causando prazer a D’us

Quando o Eterno, bendito seja, criou o mundo, desejou com Sua abençoada vontade derivar prazer do serviço do povo judeu, que atrai a luz de D’us ao mundo. Rabi Shneur Zalman explica que há dois tipos de deleite que o Eterno tem no serviço de Seu povo. Assim, não somente há duas missões diferentes que devem ser cumpridas; há também dois tipos diferentes de serviço de cada um, dos quais o Eterno deriva um diferente tipo de prazer.

O Zohar explica o pedido de Yitschac a seu filho: "Prepara-me pratos saborosos, como eu gosto" como sendo o pedido da Shechiná, a Divina Presença, ao povo judeu como um todo – de que eles deveriam fazer Seus "pratos saborosos". Estes são os dois tipos de deleite ("pratos" no plural) que resultam dos dois aspectos diferentes do serviço Divino.

Ora, assim como ocorre com iguarias físicas, existem aqueles tipos que são feitos com alimentos naturalmente doces, e aqueles outros tipos preparados com alimentos do tipo temperado ou azedo. O serviço de um judeu deve ser visto da mesma maneira. O deleite que o Criador tem no serviço dos tsadikim que não precisam mais lutar contra o mal dentro de si é comparável ao deleite que alguém sente ao comer alimentos naturalmente doces, deliciosos. O deleite que o Criador tem com o serviço de um benoni que subjuga seu yetser hará é similar ao prazer que alguém sente quando ingere alimentos fortes ou azedos, que foram especialmente marinados e preparados.

Assim como cada tipo de iguaria tem seu mérito particular, para que o desejo do paladar por alimentos doces não se satisfaça ao comer alimentos temperados e vice-versa, o apetite por comidas fortes não pode ser satisfeito quando se come doces. Assim também, no que diz respeito ao serviço espiritual do povo judeu. O mundo exige todos os tipos de serviço. Cada pessoa deveria deleitar-se em preparar as iguarias que lhe são exigidas.

O nível atingível por toda pessoa

No início do capítulo 14 do Tanya, Rabi Shneur Zalman enfatiza que o nível de benoni é "atingível por todo homem; cada pessoa deve esforçar-se para consegui-lo." Não é exigido de todos que sejam tsadikim, mas todos deveriam ser um benoni. O nível de um benoni, embora seja em si um nível elevado, é adequado a todas as pessoas, e cada qual é obrigado a aspirar a obtenção desse nível.

Segundo o Tanya, "toda pessoa pode, a qualquer tempo, ser um benoni". Em todos os tempos e em todas as situações nas quais as pessoas se encontram, mesmo se estas circunstâncias sejam extremamente desagradáveis e o coração esteja confuso e atormentado, ou mesmo "fechado" e insensível à luz da Torá, mesmo assim ele pode "afastar-se do mal e fazer o bem na prática – em ação, fala e pensamento", Alguém que ainda não atingiu este nível deve começar a obra que leva a ele. Quem já está neste nível (seja ele benoni por nascimento, ou se atingiu este nível após teshuvá e muito esforço espiritual) deve mesmo assim ser firme em seu serviço, a fim de manter estas conquistas e continuar a ser merecedor desse elevado título, o nível de um benoni.

Parte 50 – Trabalho ou Realização?



A transgressão é completamente rejeitada tanto pelo tsadic quanto pelo benoni. Isso é verdadeiro no que tange ao futuro e também ao passado. As proibições negativas sempre foram, e sempre serão observadas, e os preceitos positivos sempre foram, e sempre serão cumpridos por ambos. Apesar disso, se examinarmos a maneira pela qual cada um chegou a seu nível espiritual, fica claro que seus caminhos não são paralelos. Um deles chegou com facilidade a este nível elevado. O outro teve de lutar muito e superar diversas dificuldades. A dúvida que nos resta agora é: qual deles tem maior valor e maior importância, as supremas realizações da pessoa, ou os esforços que faz?

Com e sem guerra

As palavras do Profeta Malachi: "E você retornará e verá a diferença entre o justo e o perverso, entre aquele que serve a D’us e aquele que não O serve" – estão explicadas no capítulo 15 do Tanya. Após classificar as pessoas segundo seus diversos níveis de realização espiritual, Rabi Shneur Zalman agora explica que a frase "aquele que serve a D’us" não se refere necessariamente a um tsadic, e "aquele que não O serve" não se refere obrigatoriamente a um perverso, um rasha. Os termos "aquele que serve a D’us" e "aquele que não O serve" descrevem dois tipos diferentes de benonim. Nenhum desses dois tipos de benoni tem qualquer conexão com o pecado, como o Tanya explicou previamente.

Aquele que serve a D’us é um benoni que atingiu seu nível espiritual por meio de intensa labuta e esforço, por exemplo através de contemplação profunda e concentrada, que provoca amor e reverência a D’us em sua mente. Este amor e referência lhe permitem superar quaisquer obstáculos que possam bloquear seu caminho.

Em contraste, a pessoa que o Profeta descreve como "aquele que não O serve", é o benoni que cumpre toda a Torá sem qualquer conflito ou esforço. Ele simplesmente não requer a guerra e a batalha do outro tipo de benoni para superar seu yetser hará. Ele não anseia por nenhum dos prazeres do mundo, porque por natureza, não tem paixão por prazeres. Ele está também livre de conflitos com o desejo sexual, devido à sua natureza frígida. Se alguém o vê como um estudante assíduo que nunca pára de aprender e refletir sobre a Torá, isso é porque ele por natureza tem um temperamento obstinado. De fato, até alguém que não seja estudioso pode-se acostumar a aprender com grande diligência, até que esta diligência se torne uma segunda natureza, portanto ele atinge um ponto onde não precisa mais lutar para servir a D’us. Certo, em seu estado anterior ele de fato tinha de fazer um constante esforço para servir a D’us. Como tal, ele era então classificado como "aquele que serve a D’us". No entanto, sua posição atual é tal que ele não precisa mais lutar contra si mesmo e é portanto chamado "aquele que não O serve".

O Serviço é exigido

"O homem nasceu para labutar" – declara o versículo. Segundo os ensinamentos da Chassidut de Chabad, a Torá e mitsvot que são cumpridas com esforço e labuta são altamente valorizadas. As mitsvot que a pessoa cumpre por hábito, ou a Torá que um estudante naturalmente diligente aprende como resultado do amor oculto que permeia o coração de todo judeu (como uma herança de nossos antepassados Avraham, Yitschac e Yaacov) é incomparável ao serviço de D’us que é acompanhado de intensos esforços para o refinamento pessoal, e que é permeado com amor intelectual e reverência, adquiridos por meio de seu próprio grande esforço. Além disso, com cada preceito que cumprimos, Divindade e santidade são atraídas a este mundo. Por meio de intensos esforços e labuta, merecemos atrair o nível mais elevado de santidade a este mundo. Na linguagem da Cabalá, isso é chamado a "luz que transcende" toda a ordem da criação.

Assim, podemos ver labuta e esforço como um ideal em si. Conta-se a história de um notável discípulo do Tsêmach Tsêdec, o terceiro Lubavitcher Rebe, de abençoada memória, Rabi Menachem Mendel Schneerson, a quem foi concedida uma audiência privada com o Rebe. O indivíduo queixou-se ao Rebe de que não tinha um desejo ardente de estudar Torá. Por natureza, ele simplesmente não apreciava estudar, e dia após dia ele se forçava a sentar-se e estudar. Pediu ao Tsêmach Tsêdec que o aconselhasse nesse particular. O Rebe respondeu: "Ao contrário, isso é muito bom pois, apesar disso, você sobrepuja suas inclinações naturais e se força a aprender. Isso é de fato admirável. Mas o que deveria eu fazer, pois tenho um desejo natural de aprender?" Esta anedota ilustra o tema acima mencionado – que em termos de servir a D’us, subjugando a própria inclinação natural e forçar-se a aprender Torá é incomparavelmente melhor que o estudo motivado pelo prazer e pelo deleite.

Quem é valorizado

Deve-se enfatizar que embora nós geralmente valorizemos muito aquele que jamais cedeu à transgressão, embora não seja "alguém que serve a D’us", mesmo assim, a Chassidut preza especialmente "aquele que serve a D’us".

Nos ensinamentos chassídicos este ideal é expresso pela citação do versículo: "Gloriosa aos olhos de D’us é a morte dos devotos." Isso é explicado pela Chassidut da seguinte forma: O Eterno, bendito seja, valoriza e preza especialmente aqueles que se "matam" em Seu serviço – isso equivale a dizer, os que são denominados "aqueles que servem a D’us".

Conta-se que certa vez outro aluno do Tsêmach Tsêdec recebeu uma audiência privada com o Rebe. O chassid levou consigo o neto, para que o Rebe abençoasse o garoto. O chassid pediu ao Rebe para abençoar seu neto com uma boa memória, para que ele pudesse se lembrar de tudo que via e ouvia do Rebe e dos chassidim. Assim, automaticamente, ele adquiriria a reverência ao Céu.

O Tsêmach Tsêdec respondeu-lhe: "Por mais de cinqüenta anos meu avô, Rabi Shneur Zalman, autor do Tanya e do Shulchan Aruch HaRav, e seu filho, meu sogro Rebe Dov Ber e eu, temos feito todos os esforços para ter certeza de que a reverência ao Céu de nossos chassidim seja adquirida por meio de intensos esforços pessoais, e não por meio de um dom que vem automaticamente e por si mesmo…"

Parte 51 – Serviço e Luz



No capítulo 115 do Tanya, Rabi Shneur Zalman faz distinção entre duas frases encontradas nas Escrituras: "Um servo de D’us" e "Aquele que serve a D’us". À primeira vista, estes termos parecem quase idênticos.

Para esclarecer as diferenças entre eles, notemos primeiro que cada um dos termos contém duas palavras com diferenças aparentemente insignificantes entre elas. O primeiro refere-se a um servo", ao passo que o segundo a "aquele que serve". O primeiro termo, novamente, refere-se a um "servo de D’us" (o Nome usado é o Inefável Nome de D’us, o Tetragrama), ao passo que a segunda frase refere-se a "aquele que serve a D’us" (o nome Elokim é usado. Nossos Sábios explicam que este nome geralmente denota o aspecto de severidade ou restrição).

Ambas as expressões "um servo" e "aquele que serve" denotam estados interiores de alma diferentes. O termo "aquele que serve" está no tempo presente, sugerindo que a pessoa está atualmente trabalhando em seu serviço Divino. Em contraste, a palavra "servo" descreve alguém que já conseguiu realizar seu serviço. O Tanya classifica "aquele que serve a D’us" como o benoni, cuja vida inteira é dedicada à guerra interna contra seu yetser hará. Ele descreve uma pessoa de quem cada passo positivo para a frente é acompanhado por mudanças em sua personalidade e as normas às quais ele se acostumou. Em contraste, o "servo de D’us" está classificado no Tanya como o tsadic que conseguiu tirar de dentro de si o yetser hará, portanto "seu coração está vazio dentro dele". Isso equivale a dizer que ele não tem conflito com o mal. Assim como o termo "sábio" aplica-se àquele que já adquiriu sabedoria, não a alguém no processo de aprendizado, e como o termo "rei" que é concedido a alguém que já se tornou um rei, assim também o tsadic não é chamado "um servo de D’us" até que tenha atingido o estágio em que não luta mais contra o mal dentro de si.

Há uma terceira categoria de pessoa que também cumpre todos os mandamentos, do maior ao menos importante. No entanto, ele é caracterizado pelo fato de que sua vida não é acompanhada por uma batalha interna. Isso não é porque não exista mal dentro dele, mas ao contrário, ele é estudioso por natureza e tem um yetser hará sem paixão, que não o incomoda nem o tenta a praticar más ações. Como o Tanya enfatiza a importância de servir a D’us, a pessoa que acabamos de descrever é chamada de "alguém que não serve a D’us". Não apenas ele não é "um servo de D’us", ele nem ao menos é alguém que está no processo de servir. Apesar disso, surpreendentemente, de uma perspectiva específica, esta pessoa está classificada na mesma categoria que "um servo de D’us", e não com sua companhia, o benoni, ao qual se refere como "aquele que serve a D’us".

Uma dupla recompensa

Não há qualquer comparação entre as recompensas espirituais e as realizações de "aquele que serve a D’us", e aquele que estuda Torá e cumpre mitsvot sem labuta e esforço. Nossos Sábios expressam isso resumidamente no Tratado Chaguigá: "Aquele que revisa seus estudos cem vezes não pode ser comparado àquele que revisa seus estudos cento e uma vezes."

Nos dias de nossos Sábios, para que a tradição oral fosse adequadamente transmitida através das gerações desde o tempo de Moshê, tinha de ser completamente absorvida pela memória, pois era proibido anotar a Torá Oral. Assim, o costume era revisar cada parte do estudo por cem vezes. Embora estudar aquela parte por cem vezes fosse claramente acompanhado de muita labuta e esforço, mesmo assim, como esta era a norma aceita, aquele que o fazia não era chamado "aquele que serve a D’us". Somente após revisar seus estudos uma vez adicional, além de seu hábito regular, a pessoa merecia o valorizado título de "aquele que serve a D’us". Do ponto de vista psicológico, esta revisão adicional é extremamente difícil de conseguir, pois exige que a pessoa quebre seu hábito e a norma estabelecida.

O Talmud ilustra este ponto pela analogia de um mercado de condutores de burros. Os condutores cobravam um zuz por dez parsi (milhas persas) percorridas, mas exigiam dois zuz para dirigir por onze parsi, pois dirigir uma décima primeira milha excedia a prática costumeira, e portanto o preço era desproporcional à distância envolvida.

Da mesma forma, revisar seus estudos pela centésima primeira vez não expressa a assiduidade extra da pessoa, ou um esforço adicional comparável ao esforço feito em todas as revisões prévias de seus estudos. Ao revisar mais uma vez, ocorria uma mudança fundamental dentro do estudante, pois agora ele é intitulado "aquele que serve a D’us". Todo judeu atrai santidade para si e para o mundo, por meio do cumprimento de uma mitsvá. Mas este nível de santidade é incomparável àquele que é atraído para si mesmo e ao mundo quando a pessoa serve ao Criador além de seu costume natural. A santidade atraída por intermédio de tal serviço ao Criador é incomparavelmente maior que mitsvot e serviço Divino que não são acompanhados por esforços incomumente extenuantes.

Parte 52 – Último Comentário – A Atmosfera de Guerra



O Báal Shem Tov, fundador da Chassidut, nasceu numa cidadezinha chamada Tlust, localizada em algum lugar entre a Turquia e Wolachia.

Tlust era uma cidade de fronteira, e como todas as cidades de fronteira, possuía uma torre de vigilância e uma muralha circundante. Pelo menos foi construída, originalmente, com essa finalidade. No entanto, após algum tempo, a muralha externa protetora foi destruída e restaram somente os alicerces, profundamente enterrados no solo. Estes eram cercados por trincheiras de segurança, mais ou menos como os fossos que rodeavam os castelos ingleses, exceto que não eram cheios de água.

Os pais do Báal Shem Tov eram extremamente pobres. Não possuíam uma casa, mas viviam numa das trincheiras de segurança anexadas à muralha que cercava a cidade de Tlust. Foi aqui que o Báal Shem Tov nasceu. É óbvio que esta cidade fronteiriça e as condições de vida tiveram um efeito duradouro sobre o Báal Shem Tov. Às vezes ele assinava suas cartas como Israel de Okup, que significa "trincheira" em russo.

É necessário enfatizar que a atmosfera dessa cidade e a guerra que irrompia constantemente entre os diversos reinos da região também encontraram expressão nos caminhos espirituais que o Báal Shem Tov delineou, e que estão descritos e explicados no Tanya.

No capítulo 14 do Tanya, Rabi Shneur Zalman descreve o serviço do benoni usando a guerra como metáfora.

No capítulo 15, ele apresenta dois níveis de benoni, "aquele que serve a D’us" e "aquele que não O serve". Ele enfatiza que os ensinamentos do Báal Shem Tov, o caminho da Chassidut, é que todo judeu é chamado para servir a D’us (veja Discursos do Ano 5696, páginas 130-131).




 
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